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Sinopse

Criado por uma alcatéia em meio às florestas da Índia, Mogli vive com os animais da selva e conta com a amizade do urso Baloo e da pantera Bagheera. Ele é aceito por todos os animais, exceto pelo temido tigre Shere Khan. Quando Mogli se defronta com suas origens humanas, perigos maiores do que a rixa com Shere Khan podem surgir.

Crítica

Pouca gente sabe, mas O Livro da Selva é o título da obra publicada em 1894 que engloba sete contos escritos por Rudyard Kipling – sendo que apenas os três primeiros relatam a história de Mogli, o menino criado por lobos. Portanto, filmes como a animação Mogli: O Menino Lobo (1967) ou o mezzo animação mezzo live action Mogli: O Menino Lobo (2016) – ambos intitulados originalmente como The Jungle Book (ou seja, O Livro da Selva) até podiam contar com o garoto órfão como protagonista, mas continham elementos de todas as histórias espalhadas pelo livro de Kipling. Essa, em tese, seria a motivação por trás de Mogli: Entre Dois Mundos, a estreia de Andy Serkis como diretor: dar mais destaque à jornada da criança e em sua relação com os animais e humanos que o rodeiam. E se assim fosse, até pode ser que o resultado fosse interessante. No entanto, o anseio do realizador em se diferenciar das versões anteriores foi tamanha que terminou por cegá-lo, a ponto dele esquecer justamente do elemento que fez dessa história um clássico infantil secular: o carinho e o cuidado com os personagens. E assim, o que se vê aqui é não mais do que um arremedo de algo que poderia ter sido interessante, mas nada mais é do que um gigantesco desperdício de talentos e esforços.

Serkis começou a produção do seu filme ainda em 2015, mas somente agora, três anos depois, é que está chegando ao público, e sem passar pelos cinemas, sendo lançado mundialmente pela Netflix. Essa demora – e o modo como se deu sua trajetória – se deve a dois motivos básicos. O primeiro foi a estreia antecipada de Mogli: O Menino Lobo de Jon Favreau, que deixou meio mundo deslumbrado, arrecadou quase US$ 1 bilhão nas bilheterias e ainda conquistou um Oscar (Melhores Efeitos Visuais). Temendo uma concorrência tão avassaladora, optou-se por adiar a estreia desse projeto tão similar. Foi quando o segundo problema se manifestou. As exibições-teste apresentaram retornos bastante controversos, gerando refilmagens e novos atrasos. Tudo se encaminhava para um retumbante fracasso, até a Warner fazer um negócio da China: vender o que tinha em mãos para a Netflix (mais ou menos o que fez a Paramount com o constrangedor The Cloverfield Paradox, 2018). Assim, a primeira recuperou seu investimento – sem ter que passar pelo julgamento das salas de cinema – ao mesmo tempo em que a segunda ganhou uma obra original para o seu acervo. Enfim, ambas saíram ganhando. E quem perdeu? O espectador, que mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo irá investir seu tempo em um longa que em nenhum momento oferece um retorno à altura.

Ao invés de apostar num estreante – como a revelação Neel Sethi, descoberta por FavreauSerkis optou pelo jovem Rohan Chand, visto em filmes como A 100 Passos de um Sonho (2014) e Jumanji: Bem-Vindo à Selva (2017). E o que o garoto entrega é técnica e experiência, quando o que se esperava era inocência e descoberta. Ele é um Mogli que desde o começo está ciente do seu papel de estrangeiro em um universo que não lhe pertence. Entre os animais, é sempre o mais fraco e desajeitado. Entre os homens, lhe falta os tratos e o conhecimento da vida em sociedade. Abandonado na selva após seus pais terem sido mortos pelo selvagem tigre Shere Khan (voz de Benedict Cumberbatch), é resgatado pela pantera negra Bagheera (Christian Bale), que o leva até a alcateia para que essa decida o que fazer com o pequeno forasteiro. Lá acaba sendo adotado por Nisha (Naomie Harris) e Akela (Peter Mullan). Mas Shere Khan segue à espreita, e promete acabar seu jantar, devorando o que resta da família. Ao mesmo tempo, lobos, panteras e ursos (como o Baloo do próprio Andy Serkis) sabem que estão criando um ser que, no futuro, poderá se voltar contra eles – eles conhecem bem os feitos dos homens, o suficiente para temê-los e se manterem afastados. Para onde deve ir, portanto, aquele que não pertence a lugar nenhum?

Em sua tentativa de criar um conto maduro de selvageria e busca pela identidade, o diretor abre mão de passagens marcantes – como o primeiro encontro com a manada de elefantes ou a visita ao Rei Louie, o orangotango gigante – ao mesmo tempo em que deturpa alguns importantes personagens – a Kaa de Cate Blanchett deixou de ser uma participação pontual que tinha como função ressaltar o espírito animal de cada uma destas figuras para se tornar uma presença quase sobrenatural. Talvez Serkis estivesse apenas sentindo saudades dos tempos de O Senhor dos Anéis, mas transformar a serpente hipnótica em uma versão animal da rainha élfica Galadriel não parece ser uma escolha das mais acertadas. Para completar, há ainda uma passagem por uma aldeia humana, que pouco acrescenta ao resultado final, além de apresentar o lado mais vil do protagonista – que agora é também capaz de mentir e trair. Sem falar no desperdício de outros nomes do elenco (Freida Pinto entra e sai de cena com o bico calado, por exemplo).

Exagerando nas doses de violência e sem nunca conseguir alcançar o equilíbrio necessário nas atuações de um elenco em que todos parecem estar em uma disputa por mais espaço, Mogli: Entre Dois Mundos também peca pelos fracos efeitos digitais – alguns são tão canhestros que chegam a lembrar os bizarros lobos da saga Crepúsculo, para se ter uma ideia. Pra piorar, não há como evitar a lembrança recente de Mogli: O Menino Lobo, esse, sim, uma versão digna do conto – e capaz de deixar qualquer um de queixo caído, seja pelo deslumbramento visual ou pela honestidade de suas intenções. Exatamente o que Andy Serkis persegue durante todo o seu filme, sem nunca chegar nem perto de algo minimamente semelhante. Ele certamente tinha muito a dizer, ainda mais se tratando de um projeto que abusa da técnica de captura de performance – algo que ele é mais do que um pioneiro, confirmando-se como uma referência no assunto. Mas o que se percebe é que nem mesmo uma trajetória como essa foi capaz de lhe credenciar ao posto de contador de histórias. Melhor seria ter se concentrado apenas no que sabe fazer melhor, e que fique cada macaco no seu galho.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Wallace Andrioli
5
MÉDIA
4.5

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