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Sinopse

Internada após um acidente de esqui, Tony tenta se lembrar de George.

Crítica

Não seria surpreendente se, nos tempos estranhos em que vivemos, gente preconceituosa usasse as escolhas da personagem de Emmanuelle Bercot em Meu Rei para justificar os machismos nossos de cada dia. É que Tony, a mulher em questão, vive num relacionamento abusivo com Georgio (Vincent Cassel), sujeito atraente e muito controlador, por quem ela é absolutamente apaixonada. Daí que mesmo após decepções gigantescas, traições e muita violência psicológica, Tony continua atraída pelo marido (ex, a partir de determinado momento da narrativa), o que, para alguns, seria suficiente para definir a personagem como “mulher de malandro”, que gosta de apanhar (por vezes literalmente). Estariam justificadas, por esse raciocínio, as ações de Georgio, fazendo-se aqui a economia de um dos aspectos mais cruéis, e comuns, da opressão: a captura da mente do oprimido, levando-o a compactuar com aquele que o agride e a se culpar pela violência que sofre.

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Nesse sentido, o que Maïwenn consegue com Meu Rei é expor as vísceras de um relacionamento abusivo sem abrir mão da complexidade dramatúrgica, uma vez que Tony não é tratada em nenhum momento do filme como mero instrumento para a construção de um panfleto, mas como uma mulher de carne e osso, com desejos, inseguranças, fragilidades. O mesmo vale para Georgio, que não surge em cena como um vilão a lá Dormindo com o Inimigo (1991): ele é também um homem complexo, com vícios e virtudes, que realmente acredita no seu amor por Tony e pelo filho que têm juntos. A apresentação desse personagem como um ser humano, ao invés de um monstro, permite uma reflexão importante sobre o tema central do filme: até que ponto a maneira como são pensados e estruturados os relacionamentos heterossexuais não tornaria todos eles, em maior ou menor grau, abusivos? Afinal, num mundo em que ser homem frequentemente significa conquistar, prover e dominar, como esperar outro resultado que não milhões de Georgios?

A vontade de lançar esse tipo de debate complexo, árduo, sobre o qual dificilmente se chega a um veredito peremptório, parece muito própria de um cinema francês contemporâneo, aquele calcado no realismo, no qual Meu Rei está inserido e que costuma produzir títulos bastante interessantes. Alguns exemplos são Polissia (2011), da própria Maïwenn, as obras de Laurent Cantet e de Jacques Audiard (sobretudo Entre os Muros da Escola, 2008, no primeiro caso, e O Profeta, 2009, no segundo), e o recente De Cabeça Erguida, 2015, que concorreu em Cannes ao lado de Meu Rei, foi exibido no Festival Varilux do ano passado e, coincidentemente, tem na direção a própria Emmanuelle Bercot, a estupenda intérprete de Tony.

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Por lançar um olhar humano, complexo e não panfletário para os abusos de um relacionamento heterossexual, Meu Rei provavelmente precisaria mesmo ser dirigido por uma mulher. A legitimidade do filme depende disso até certo ponto, uma vez que a presença de um diretor aqui muito facilmente levaria a acusações (que poderiam fazer sentido) de complacência com o personagem de Cassel e de um juízo de valor machista com relação às ações de Tony. Mas Meu Rei tem mais que isso, já que na condução do complicado debate que o filme propõe estão Maïwenn e Bercot, duas diretoras-atrizes que fazem, hoje, o que talvez há de melhor no mainstream do cinema francês.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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