Crítica

Um conto de amor afetuoso, porém pouco sentimental, que aos poucos se torna amargo e realista. Nele, um jovem de 19 anos se apaixona por uma precoce garota, com quem divide um idílico período de férias nas paradisíacas ilhas de Estocolmo. Mônica e o Desejo (1953) apresenta a impressão do mestre Ingmar Bergman sobre as vivências características de uma juventude transgressora, ainda que muito regrada pelos códigos morais da época, numa leitura que segue incomum para obras que apresentam os ritos de passagem da adolescência para a fase adulta.

Considerando a primeira década da carreira de Bergman, Mônica e o Desejo é certamente seu maior filme, aquele que resume muitas características de sua cinematografia perfeitamente e que foi responsável por estabelecer o sueco como um verdadeiro autor e cineasta reconhecido mundialmente. A notoriedade internacional, entretanto, também ocorreu por conta de uma oportuna campanha publicitária que promovia o filme como primariamente sexual sob o título Monika, a História de Uma Garota Má, o que distanciava a obra de toda sua profundidade melancólica e contemplativa sobre a vida, o amor e o que há de mais complexo entre os dois.

O olhar certeiro de Bergman e a fotografia atmosférica de Gunnar Fischer investiram em locações com significância poética. As luzes e os amplos espaços que preenchem os dias oníricos dos jovens nas ilhas são contrastados com a escuridão claustrofóbica da cidade, para onde eles são obrigados a seguir, onde a eletricidade do casal é vagarosamente extinguida pela falta de ar que pontua sua relação. Filmado num preto e branco extasiante, o filme apresenta um diretor em controle absoluto de sua expressividade singular.

Mônica e o Desejo também é Harriet Andersson. É impossível não exaltar o desempenho agressivo e contagiante da atriz, e a genialidade de Bergman em reconhecê-lo e explorá-lo ao máximo. Sua presença enigmática, destacada pela face imponente, lábios carnudos e o olhar semicerrado, desafiava os estigmas duais entre a beleza clássica e o estilo blonde bombshell dos anos 1950. Em algumas das tomadas mais famosas do filme, a câmera de Fischer passeia pelo corpo de Andersson como se ela fosse algo a ser desvendado e devidamente documentado. Sua nudez constante, somada ao comportamento rude da personagem, se coloca como um simbolismo para as paisagens naturais das locações, tão expansivas quanto intrigantes.

Para Jean-Luc Godard, que considerou Mônica e o Desejo ”o evento cinematográfico do ano” na ocasião de seu lançamento, a obra era “o filme mais original do diretor mais original”, e comparou sua repercussão com o que O Nascimento de Uma Nação (1915) representou para o cinema clássico. Woody Allen, por sua vez, afirma ter acampado em frente ao cinema antes da estreia do filme, que foi responsável por tê-lo tornado um dos admiradores mais fiéis e defensores de Bergman.

Passados tantos anos, é fácil perceber os motivos para que diretores como Godard, Truffaut e até mesmo Allen fossem tão afetados por Mônica e o Desejo. A resposta mais clara aparece perto do fim do filme, quando a protagonista acende o cigarro de um homem de maneira sensual e provocativa. O gesto, sexualmente sugestivo, representava uma mulher que levava seus amantes para a cama sem hesitação ou vergonha, assim como Bergman com seus temas e estética – que ainda hoje carregam o choque e prazer do que sobeja originalidade.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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