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Crítica


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Sinopse

Dana e Arthur, esposa e marido na casa dos 40, estão juntos há quase 10 anos. Eles são um casal que a sociedade, a família e os amigos adoram quando juntos – mas detestam quando separados. Por conta de suas necessidades, crenças, escolhas de vida e seus monstros interiores, chega o dia em que precisam decidir se deixar o outro partir é a maior prova de amor.

Crítica

Se alguns filmes buscam imergir o espectador numa trama, apresentando os cenários, os personagens e seus principais conflitos, outros preferem estabelecer uma relação de distanciamento. Em Monstros, somos longamente confrontados a rostos que não conhecemos, em situações desprovidas de explicação, à espera de algo que causa angústia aos protagonistas por razão não informada. Até o final da trama, caberá ao público juntar as peças esparsas capazes de construir Dana (Judith State) e Arthur (Cristian Popa). Caso usasse as ferramentas do suspense, esta forma de comunicação poderia se transformar num jogo de adivinhações. No entanto, encontramo-nos diante do drama clássico, sem revelações a serem descobertas.

Monstros

Esta escolha provoca uma relação especial com a estética, incumbida de representar ao público, por si só, parte significativa da trama. Enquanto o trabalho humano se desenvolve através de sutilezas, a construção de imagens revela o oposto da discrição. O cineasta Marius Olteanu opta pelo formato de tela literalmente quadrado (1:1), além de longos planos-sequência pelos trilhos do trem ou dentro de carros durante a noite. A canção-tema “Fireworks”, do First Aid Kit, repete-se de modo a sugerir a sensação de culpa que assola dos protagonistas. “Por que eu faço isso comigo mesmo de novo e de novo?”, questionam as letras, enquanto os personagens esperam diante do prédio onde moram, sem terem coragem de voltar ao próprio apartamento. A dilatação do tempo resulta num filme marcado pelo silêncio e pela espera. Para o cineasta, interessa menos justificar racionalmente a desolação dos protagonistas do que construi-la pela pesada ambientação imagética e sonora.

Os atores são encarregados da difícil tarefa de desenvolverem os seus personagens através de poucas ações e raros diálogos, sobre temas que não constituem seus verdadeiros conflitos. Dana encontra um motorista de táxi, bastante grosseiro a princípio, e Arthur marca um encontro com outro homem por meio de aplicativos. Os coadjuvantes, aos quais se somam a mãe dele, são perversos e agressivos, servindo para provocar o casal central até a explosão. Existe um mecanismo perverso no fato de criar duas figuras depressivas, sem terem a quem recorrer, e então reforçar sua solidão até não aguentarem mais. Tanto Judith State quanto Cristian Popa se saem muito bem na tarefa de sugerirem um estado de espírito amplo capaz de ser lido de diversas maneiras (Eles estão apaixonados? Querem voltar um para o outro? Já perderam esperanças?), ainda que inequivocamente melancólico.

O estetismo de Olteanu comprova o domínio do cineasta para a atmosfera e o trabalho do tempo. Ao longo da narrativa, os quadros já limitados tornam-se ainda mais restritos devido aos recortes dentro da imagem: um personagem é visto através do retrovisor, outro tem parte do corpo encoberto pelo carro à frente. Os corpos são cada vez mais espremidos, o que cria um senso de rigidez e asfixia dentro de uma narrativa tão ampla de significados. No entanto, o procedimento se satura quando parece prejudicar a história: a imposição do plano-sequência torna a cena de sexo envolvendo Arthur artificial demais, e o recurso da tela que se abre em scope, para depois se fechar e abrir novamente, chama atenção excessiva para si mesmo, e encontra pouca justificativa dentro da trama. Parte das escolhas soa como vaidade de um diretor talentoso, ao invés de uma proposta estética coesa. Seria possível argumentar que os personagens existem para preencher as imagens preconcebidas, ao invés de as imagens se ajustarem ao conteúdo humano.

O título “Monstros” transparece a abordagem espetacular de uma dor íntima, espécie de tratamento operístico da solidão. A monstruosidade diria respeito a um julgamento negativo do filme em relação a seus personagens, ou talvez à maneira como veem a si próprios? Seria uma descrição do mundo hostil em que se inserem? O discurso extraído desta história de desamor permanece hermético. Por se concentrar no pós-crise, ou seja, quando as brigas já aconteceram e o desgaste do casal se tornou crônico, resta apenas observar o desfecho inevitável de um relacionamento morto diante dos nossos olhos, desde a primeira cena. Como foram os anos felizes deste casal? Não descobriremos. O caminho mais evidente para a trama seria explicar a queda a partir da felicidade, ou ao menos de alguma forma de convivência pacífica. No entanto, o diretor não gosta de caminhos fáceis, de explicações didáticas, e de recursos narrativos que roubem a atenção de suas imagens rebuscadas, hipnóticas e talvez retóricas.

Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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