Sinopse
Zacarias é ávido por viver grandes aventuras durante a Primeira Guerra Mundial. Enviado a Moçambique, esse jovem português se vê deixado para trás por seu pelotão e logo protagoniza uma jornada mato adentro.
Crítica
Levemente inspirado em uma história real ocorrida com o próprio avô do realizador, Mosquito representa um avanço e tanto no amadurecimento cinematográfico do cineasta português João Nuno Pinto. E não é para menos: levou quase uma década para finalizar esse épico pessoal, seu primeiro trabalho após o interessante América (2010), filme esse que já trazia boas ideias, mas não tão bem exploradas como se percebe agora. Ao seguir a trajetória de um jovem soldado desorientado em plena floresta africana no meio da Primeira Guerra Mundial, o diretor consegue abordar interessantes contradições e exemplificar com imagens de inegável poder hipnótico condutas e práticas que foram determinantes em desenhar o homem tal qual o encontramos mais de um século depois. No processo, também proporciona uma curiosa aproximação de um personagem que, por tanto ambicionar fazer o certo, não apenas se perdeu, de si e dos próximos, mas também das referências que até então o guiavam através de uma moral frágil em sustentar tamanha selvageria, seja no âmbito espiritual ou mesmo nos embates físicos aos quais se vê sujeito.
Ainda que em nenhum momento da trama se faça referência ao título do longa, é curioso ir aos poucos entendendo o significado da conotação. Afinal, tal inseto pode ser minúsculo, mas qualquer um que já o tenha enfrentado sabe bem o tamanho da incomodação que pode causar. Mais ou menos o papel que Portugal desempenhou na divisa colonialista da África no início do século XX. Nuno Pinto recolheu lembranças e registros familiares para compor seu protagonista, Zacarias (um impressionante João Nunes Monteiro, visto também em Cartas da Guerra, 2016, outra produção portuguesa de similar ambientação, mas com resultados bem diversos). Com apenas 17 anos, decide deixar Lisboa e os pais, a quem avisa apenas por mensagem, para se juntar aos esforços de combate em Moçambique. O que vai fazer e o que pode oferecer, pouco importa. As atenções estão mais centradas no durante, e menos no antes ou no depois.
Tanto isso é verdade que Mosquito é dono de uma montagem inquietante, elaborada de forma desconstruída, sinalizando, assim, uma das suas mais empolgantes características. Longe de uma postura observadora ou mesmo contemplativa, o que Zacarias pode agregar à presença do invasor, por mais frágil que seja sua condição, é não mais do que patético diante da imensidão que o aguarda. Cansado de esperar, decide partir, assim que as devidas permissões são obtidas. De posse de dois carregadores negros, logo se vê à mercê desses, que não irão tardar em abandoná-lo à própria sorte. A partir desse ponto, presente e passado passarão a se confundir em uma jornada que encontra reflexo tanto no desbravar por terras desconhecidas, como também no mergulho perturbador que irá empreender pelo âmago de um jovem desesperado por ser visto como homem, mas que segue se comportando como não mais do que uma criança.
Da mesma forma como partiu tão dono de si, Zacarias rapidamente se verá sem conseguir responder nem mais por ele próprio. A perda da identidade é um tema caro ao povo português, que já foi dono de meio mundo, e agora, em pleno século XXI, se vê como uma presença incômoda até mesmo no continente onde geograficamente está associado. Do oficial de patente mais alta ao soldado estrangeiro que tanto pode ser amigo como inimigo, o condutor dessa jornada vai da desorientação à certeza absoluta, da provocação por se manter vivo até o abandono de qualquer garantia, vontade ou esperança. É uma fera selvagem que fica à espreita, no escuro, apenas esperando pelo momento certo de atacar. Mais do que o coração, é pela alma do incauto que ela anseia.
Se tecnicamente Mosquito se mostra um deslumbre para os sentidos, de imagens placidamente inebriantes a uma trilha sonora capaz de provocar arrepios mesmo nos mais desconfiados, passando por um elenco bastante coeso – destaque para a presença do veterano João Lagarto, que desde o seminal Terra Estrangeira (1995) não era visto em destaque em uma coprodução brasileira – o filme de João Nuno Pinto não apenas consegue validar os esforços para sua realização com bastante tranquilidade, sem exageros nem excessos, como também é eficiente em direcionar seu olhar ao indivíduo que reflete os temores e expectativas de toda uma nação. Uma obra de forte impacto, ciente das responsabilidades que carrega e do alcance que seu discurso pode exercer. O vigor que reúne transborda não apenas na tela, mas também pelas repercussões que provoca através de um conjunto bravio, independente de suas dimensões.
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