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Crítica

Dedicado a contar a história do boêmio pintor Toulouse-Lautrec (José Ferrer), Moulin Rouge adapta a obra homônima de Pierre La Mure sob a direção de John Huston. Responsável por outras obras instigantes e de grande importância para o cinema, o cineasta calca seu longa-metragem nos diálogos ferrenhos propostos pela personalidade de Lautrec. Linhas que apenas dão voz às cores intensas e aos traços sugestivos das obras do artista.

Descendente de uma renomada família, Henri (seu primeiro nome) agora vive em meio à burguesia noturna parisiense, que prefere a companhia de dançarinas, meretrizes e do álcool em estabelecimentos como o famoso “Moulin Rouge”. É lá que encontra boa parte da inspiração para seus quadros, que quase sempre retratam as figuras típicas de sua convivência. Em meio a este universo, o aleijado protagonista – de quem as pernas pararam de crescer depois de um acidente quando garoto – conhece a instável Marie (Colette Marchand), por quem começa a nutrir uma paixão que eventualmente irá lhe desgraçar a vida.

Parece imperativo, mesmo já em 1952, que personagens dotados de alguma incapacidade física sejam obrigatoriamente incisivos em suas composições de personalidade. Se hoje o púbico aplaude cada frase de efeito do carismático anão Tyrion em Game of Thrones, aqui é, pelo caminho contrário, a inabilidade de Lautrec de causar empatia que acaba fascinando. O ator José Ferrer - que curiosamente também é escalado para viver o pai do pintor – se mostra acertada escolha para vivê-lo, pois suas expressões rudes refletem os modos críticos e mau-humorados da grande eloquência de seu personagem. Já Marchand se revela um contraponto interessante ao colega de cena, até mesmo por fugir dos maneirismos performáticos da época, investindo em uma mulher naturalmente afetada, que, levando-se em conta sua situação, faz de Marie uma pessoa perfeitamente crível.

Agora, Moulin Rouge, quando se fala em cinema atualmente, é mais associado ao musical dirigido por Baz Luhrmann em 2001, uma inquestionável obra-prima, que trazia também algumas das figuras vistas aqui no filme de Huston, como o dono do local, Zidler (Harold Kasket), o próprio Toulouse e a estrela principal dentre as moças do Moulin, aqui chamada Jane Avril (Zsa Zsa Gabor, divertidíssima). Até a história envolvendo um amor fadado ao fracasso entre uma prostituta e um artista remete diretamente ao enérgico feito de Luhrmann. E não que haja aqui qualquer comparação além destas semelhanças. Como filmes, os dois Moulin Rouge propõem abordagens radicalmente diferentes. Se o espetáculo e a intensidade eram donas da narrativa de Amor em Vermelho, aqui é o magnetismo de Lautrec e as sutilezas de sua arte que comovem o espectador.

Fazendo jus à obra de seu objeto de estudo, John Huston transporta para seus quadros toda a beleza capturada antes apenas pelos olhos do pintor, e não se cansa de sobrepor várias de suas criações aos seus próprios quadros, quase como se perguntasse àqueles do lado de cá: “está fiel o suficiente? Não deveria por um pouco mais de cor aqui? Talvez um traço ali?”. E mesmo se o fizesse literalmente, a resposta seria “não”. O diretor captura a alma das imagens bruxuleantes que eram concebidas por Lautrec, tão sugestivas em movimento e forma. Em certo momento, ao se demorar em um quadro enfocando uma impressora rudimentar de pôsteres, composta por um maquinário pesado e grosseiro, o cineasta se permite demorar tempo o suficiente para que vejamos sair com delicadeza de suas entranhas uma folha lisa e intocada reproduzindo uma das pinturas de Henri. Do mesmo modo, é curioso perceber como a figura torta, de modos broncos e rudes, dá luz à representações tão belas e sinceras da vida boêmia ao seu redor.

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