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Crítica

Marlon Brando era a primeira escolha de Elia Kazan para protagonizar Movidos pelo Ódio, adaptação do primeiro romance do cineasta para a tela grande. O astro, aparentemente, deu uma desculpa esfarrapada para não repetir a parceria que rendeu os ótimos frutos Sindicato de Ladrões (1954) e Uma Rua Chamada Pecado (1951). No fim das contas, Kazan teve de recorrer a outro monstro da atuação para preencher a lacuna: Kirk Douglas. Reza a lenda que o cineasta nunca ficou satisfeito com a performance entregue pelo eterno Spartacus, fato que teria ajudado no seu desgosto pela obra. Verdade seja dita, não é culpa do protagonista o resultado misto de Movidos pelo Ódio. Kazan responde por boa parte dos problemas do filme, um drama introspectivo, elíptico, brilhante em alguns momentos e cedendo aos lugares comuns em outros.

Na trama, o publicitário Eddie Anderson (Douglas) parece ter o perfeito american way of life: uma bela casa, um incrível carro na garagem, uma mulher bonita e companheira (Deborah Kerr), um trabalho onde é bem sucedido. Certa manhã, ao dirigir para a agência de publicidade, Eddie simplesmente enfia seu carro para debaixo de um caminhão, em uma tentativa (infrutífera) de suicídio. A partir deste comportamento destrutivo, Eddie começa a relembrar momentos do passado, como sua relação conturbada com o pai (Richard Boone), o caso extraconjugal com a bela parceira de trabalho Gwen (Faye Dunaway) e, em meio a estes flashes, se confronta com a dura realidade de seu presente.

A melhor qualidade de Movidos pelo Ódio está em sua narrativa. A trama é cheia de elipses e flashbacks, virando um verdadeiro quebra-cabeça para o espectador. Pegando emprestadas algumas ideias de seus colegas de profissão europeus, como Ingmar Bergman e Alain Resnais – Morangos Silvestres (1957) e Ano Passado em Marienbad (1961) logo vêm à mente – Kazan é arrojado em sua busca por uma narrativa mais inventiva, na qual pudéssemos entrar na cabeça daquele homem claramente perturbado. Existem momentos brilhantes em que movimentos de câmera e cortes rápidos nos fazem ir e vir em lugar e tempo distintos, mostrando de forma ímpar que Kazan não havia perdido a mão.

O elenco também é digno de nota. Kirk Douglas pode não ter agradado a Kazan, mas tem uma performance interessante, pontuando bem o desespero daquele sujeito em crise. O ator é sabotado por passagens estapafúrdias, como as cenas em que Eddie conversa com seu duplo, sequência que deveria ser dramática ou, no mínimo, surreal e que acaba caindo no humor involuntário. Douglas passa boa parte do primeiro ato calado e consegue exprimir a dor do personagem. O mesmo pode ser dito de Deborah Kerr, que interpreta a tradicional esposa subserviente daquele cenário norte-americano sessentista. O drama por que passa aquela mulher, ciente de que seu marido a trai com uma jovem, é muito bem representado pela atriz, que só perde em peso pela robusta atuação de Faye Dunaway como a inconstante e charmosa Gwen, mulher pela qual Eddie simplesmente perde a cabeça.

Dramas com a crise da meia-idade já foram escritos aos montes e Kazan não consegue fugir dos lugares comuns que permeiam este tipo de história. Talvez porque esta crise tenha sintomas corriqueiros, ou porque o autor não soube ir adiante e buscar o algo mais. O que acontece é que Movidos pelo Ódio não consegue superar nenhum dos grandes trabalhos pretéritos do diretor. Existe uma tentativa, é verdade, em dar mais peso à história com a entrada do pai de Eddie na equação. Com isso, conseguimos entender melhor o que transformou aquele homem no que ele é. Kazan tenta dar o mesmo peso às duas passagens – o adultério e o drama paterno – mas parece se atrapalhar no andamento das tramas paralelas.

Por essas e outras, Movidos pelo Ódio acaba se mostrando um programa bastante irregular, mas que se segura por pequenos momentos de brilhantismo. Fica a cargo do espectador apostar em uma trama de quase duas horas para capturar estes lapsos de genialidade que aparecem, aqui e ali, no filme.

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