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Crítica


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Sinopse

Em Berlim, no ano de 2056, imigrantes do Leste e do Oeste estão em um conflito sem fim. O bartender Leo, um jovem mudo, vive com apenas um objetivo: voltar a encontrar com uma moça, seu amor, que desapareceu com a opressão. Em sua jornada para revê-la, ele cruzará o caminho de diversos outros seres que, calejados pelas experiências da guerra, não são tão amigáveis quanto o rapaz espera.

Crítica

O protagonista de Mudo, Leo (Alexander Skarsgård), é Amish, ou seja, parte de um grupo religioso, cristão anabatista, cujos preceitos conservadores englobam a restrição tecnológica. Então, o cineasta Duncan Jones pretende criar, logo de cara, um contraste ideológico ao ambientar a trama de seu mais novo filme no ano de 2056, num mundo nutrido pela artificialidade desenvolvida a fim de ampliar a experiência humana. Todavia, como bem vemos no decorrer da trama, a crença deslocada não é aproveitada como algo determinante. Pelo contrário. A negligência das possibilidades da inadequação se torna uma fragilidade patente, deixando em carne viva uma incipiência perceptível também nas demais esferas. Tampouco o fato da realização ser uma ficção científica é plenamente justificável, pois não há propriamente uma vontade manifesta de trabalhar os signos desse porvir idealizado, obviamente baseado em exemplares que o cinema anteriormente nos ofereceu com o intuito de imaginar o amanhã na telona.

Leo trabalha como bartender numa movimentada casa noturna. Ele é completamente apaixonado por Naadirah (Seyneb Saleh), mulher de cabelos azuis que tenta, ao menos, fazê-lo utilizar o telefone celular para facilitar sua comunicação. Isso, a despeito do fato dele ser mudo, em virtude de um acidente na infância e da ortodoxia da mãe que não permitiu a cirurgia reparadora. Os primeiros momentos de Mudo são dedicados à delineação dessa paixão cativante, à consolidação dos laços afetivos do casal. Destaca-se a atuação de Skarsgård, sobretudo a forma como ele logra êxito ao causar empatia com o temperamento calmo e carinhoso de Leo, embora este, ao menor sinal de ameaça, seja capaz de explodir repentinamente. Os dados sci-fi se restringem ao cenário, aos carros voadores e à toda sorte de gadgets inventadas como sustentação da credibilidade do panorama futurista. A beleza da casca é contradita pelo vazio do desenvolvimento confuso, truncado e repleto de senões.

Mudo se passa na Alemanha e vai ganhando outras figuras relevantes, como Cactus Bill (Paul Rudd), norte-americano, desertor militar em busca de documentos falsos para poder voltar à América com a ficha limpa. Duck (Justin Theroux), amigo dele, oculta informações, mas geralmente está em cena como uma espécie de alívio semicômico, a bem da verdade, sem graça. O desaparecimento de Naadirah é o evento que aproxima ambos de Leo, mesmo que por linhas tortas. Duncan Jones não consegue, porém, tornar instigante esses percursos em franca rota de colisão, compartimentando demasiadamente as trajetórias, criando momentos alternados de protagonismo. Para mergulharmos mais funcional e profundamente na personalidade de Bill, a caçada de Leo, supostamente o pilar principal do longa-metragem, é posta momentaneamente de lado, relegada a flashes. Mais que labiríntica, a trilha cursada é embaraçada, não propositalmente, mas como resultado de um roteiro carente de vigor.

Infelizmente, há uma série de desperdícios capitais em Mudo. Gradativamente, ele vai se transformando num filme banal de perseguição, depois abarcando pequenas vinganças, mas sem uma dramaturgia que, sequer, lhe dê tônus como exemplar de ação. Os efeitos especiais são utilizados com parcimônia, até mesmo porque possuem qualidade variável. O clima neon noir é claramente copiado de produções como Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), mas especificamente no que tange ao visual. Não há o mínimo esforço para construir uma atmosfera densa, haja vista a completa subtração da relevância da paisagem, tanto a física quanto a social, na qual os personagens centrais estão factualmente inseridos. O saldo é uma aventura bem próxima do genérico, em que questões e perspectivas importantes são apenas mencionadas, poucas vezes fazendo frente à quantidade de trivialidades que recheiam o todo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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