float(4) float(1) float(4)

Crítica


7

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Santana é funcionário do Departamento de Combate de Zoonoses e trabalha como recolhedor de cães de rua, isso antes de ser sancionada a lei que proíbe o sacrifício de animais abandonados. O que Santana não previa era ser envolvido numa trama de vingança após ter encontrado um enorme cachorro aparentemente desamparado.

Crítica

Na sociedade de hoje, em que o que fala mais alto é a lei da selva, com tudo na base do olho por olho, dente por dente, é fácil antever que será o mais forte que se dará melhor no final. Mas nem sempre é assim. Vez que outra, os ânimos se acalmam e o raciocínio encontra espaço para entrar em cena. E, junto com ele, surge a vingança, que além de se comer fria, como afirma o ditado, muitas vezes também tem resultado indigesto. Essa, ao menos, é a ideia por trás dos acontecimentos de Mundo Cão, a volta do diretor Marcos Jorge à boa forma percebida no seu trabalho de estreia nas telas, o cultuado Estômago (2007).

03-mundo-cao-papo-de-cinema

Depois de dois trabalhos no mínimo problemáticos, realizados com outros parceiros, Jorge se reuniu mais uma vez com o roteirista Lusa Silvestre – o mesmo de Estômago – para criar essa história em que nem sempre o que ri por último, ri melhor. Para tanto, escolhe dois homens fortes, porém de maneiras distintas: um está firme no seu trabalho e no que acredita ser certo, enquanto que o outro já driblou todos os limites que alguma vez já tentaram lhe impor, preferindo trilhar caminhos feitos por ele mesmo. Porém, quando os dois ficam frente à frente, suas determinações serão equivalentes, num embate em que dificilmente o vencedor será aquele com a melhor sorte. Babu Santana é o pai de família da periferia que ocupa seus dias trabalhando no departamento de controle de zoonoses, ou seja, é o legítimo ‘homem da carrocinha’. Um dia é chamado para capturar um pitbull que se encontra abandonado no pátio de uma escola. Com o animal preso, lá irá permanecer por três dias de reclusão, à espera que o dono apareça reclamando por ele. Após esse período, é encaminhado para o sacrifício. E será somente depois do seu destino ser selado que Nenê, vivido por Lázaro Ramos, chega ao local. A falha no timing terá repercussões trágicas. Afinal, para um delinquente acostumado a fazer tudo do seu próprio jeito, não existe isso de “essas são as regras” ou “a lei no obriga a agir desse modo”. É preciso achar um culpado, escolher um rosto para depositar sua fúria. E sua mira acaba apontando, literalmente, para Santana.

Mundo Cão é o tipo de filme que quanto menos se falar a respeito, melhor. É importante estar ciente, no entanto, que será a partir desse infeliz acaso que as trajetórias desses personagens se ligarão, com consequências devastadoras. Nenê não deixará barato, o que motivará, posteriormente, uma revanche contra si. Nesse embate, será a família de um – a esposa (Adriana Esteves) e os filhos (Thainá Duarte e Vini Carvalho) – que, de uma forma ou de outra, acabará pagando o preço mais alto. Mas os danos não se apresentarão apenas de um lado. O braço direito do contraventor (Milhem Cortaz) também será atingido. Marcos Jorge constrói seu filme com três momentos bem definidos. No primeiro, somos apresentados aos protagonistas e entendemos as ligações que os unem. Essa, talvez, seja a parte mais bem construída. É impressionante como Santana e Esteves – duas figuras aparentemente antagônicas – se complementam em cena, desenvolvendo uma química notável. Nós acreditamos naquele casal, o que é fundamental para sentir na pele as provações que eles serão obrigados a enfrentar. Outro que se vê forçado a sair de sua zona de conforto é Lázaro Ramos. Acostumado a ser o herói da história, aqui desfia uma vilania incomum, dona de tamanha energia que basta ele aparecer para desconfiarmos que outras intenções – as piores possíveis – o motivam. Uma dimensão só possível de ser alcançada por um grande intérprete.

04-mundo-cao-papo-de-cinema

Mas Mundo Cão é mais do que isso, do que boas atuações e um diretor seguro a respeito do que pretende dizer. Ninguém aqui é santo, e se as ações de todos possuem diferentes graus de culpabilidade, estará na empatia que exercem com o espectador o segredo para que seja possível entendê-los e, até mesmo, perdoá-los. A realidade aqui exposta pulsa, incomoda, provoca. Não marca presença em busca de paz e diversão. Algumas soluções podem ser questionáveis – e são – ainda mais quando envolvem personagens até então alheios ao drama central. No fim, o recurso utilizado parece quase um efeito ex-machina, providenciado de última hora. Mesmo assim, não tira o impacto do seu resultado. E assim deixa sua audiência, que se pergunta “e se fosse comigo?”. Afinal, tudo tem seu preço. E uma vez que decisões são tomadas, ele precisa ser quitado, independente de quão alto seja.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *