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Sinopse

Na noite da véspera do Natal em 1985, os estudantes Juan Núñez e Benjamín Wilson invadem o Museu Nacional de Antropologia na Cidade do México para roubar 140 peças pré-hispânicas de suas vitrines. Ao perceberem a gravidade de suas ações, decidem fugir. Enquanto isso, a polícia não suspeita que os autores do crime poderiam ser jovens inexperientes que vivem nos subúrbios da classe média.

Crítica

Em 1985, dois estudantes invadiram o Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México na noite da véspera de Natal e de lá saíram com 140 peças de inestimável importância histórica. O episódio gerou uma comoção nacional – imaginou-se, num primeiro momento, que se tratava de um roubo organizado por uma rede de tráfico internacional de artes ilegais – além de ter despertado um interesse nunca visto antes dos próprios mexicanos a respeito do conteúdo que havia desaparecido (mais ou menos como aconteceu no Brasil após o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, com milhares de pessoas lamentando a perda de objetos que a maioria desconhecia ou pouco se importava até um dia antes do incidente). E é este olhar duplo, tanto em relação ao que levou estes jovens a cometeram tal ato, assim como a repercussão do feito deles no país, que é possível encontrar em Museu, mais uma produção de jogar lenha na fogueira a respeito da união do cinema com as plataformas de streaming.

Isto porque o longa estrelado por Gael Garcia Bernal, recebido com aplausos e premiado como Melhor Roteiro no Festival de Berlim 2018, é a primeira produção mexicana realizada pelo Youtube Premium, o canal por assinatura do popular site de vídeos. Assim como o contemporâneo Roma (2018), de Alfonso Cuarón – também mexicano, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e bancado pela Netflix – trata-se de um projeto de primeira linha, feito com esmero e muitos méritos envolvidos, mas que por muitos será visto apenas nas telas diminutas de computadores, tablets, televisores e, pior ainda, smartphones. Algo triste, evidentemente, pois estamos diante de espetáculos cinematográficos que merecem ser apreciados e digeridos nas melhores condições possíveis. Seja pela relevância do fato enfocado, mas também pela qualidade superlativa do produto audiovisual apresentado.

Juan (Bernal) é o filho mais jovem de uma numerosa família. Seguindo os passos do pai, estudo para se tornar veterinário, mas nunca foi levado muito à sério pelos pais, tios ou irmãs mais velhas, que o veem mais como um caso perdido. Ao lado do melhor amigo, Wilson (Leonardo Ortizgris), sonha em fazer algo que, enfim, tire os dois do marasmo que toma conta das suas vidas e lhes ofereça algum tipo de notoriedade. Para o bem, ou para o mal, como logo percebemos. É neste ponto em que o filme do diretor Alonso Ruizpalacios (Güeros, 2014) se volta ao passado do protagonista e, por consequência, ao do México enquanto nação. Quando criança, o menino foi com o pai (interpretado pelo excelente Alfredo Castro, um ator capaz de carregar um mundo apenas nos olhos, expressando muito sem dizer quase nada) visitar o museu em questão, e mais do que se encantar pelo que lá está preservado, o que permaneceu com ele foi a indignação paterna a respeito de como tudo que ali está acumulado foi fruto de saques e extorsões feitos por conquistadores em relação aos povos antigos, verdadeiros donos daquelas preciosidades.

No entanto, muito se engana quem decidir ver em Juan uma espécie de Robin Hood mexicano. A irresponsabilidade de seus atos diz mais respeito a uma fantasia infantil de falha justiça do que resultado de uma estratégia efetiva de propor algum tipo de compensação histórica. Tanto que, uma vez empreendido o roubo, ele e o amigo mal sabem o que fazer com o que agora tem em mãos. Tentam passar adiante através de um contato que pouco conhecem, se aproximam de um americano colecionador, mas nada parece dar certo. Afinal, o passo que deram foi muito maior do que suas pernas – nunca imaginaram que chamariam tanta atenção. Por outro lado, a incompetência das autoridades é que permitiu que fossem tão longe. A invasão ao museu e o modo como acabam se livrando de uma batida policial são duas passagens exemplares para retratar esse quadro de descaso e abandono cultural.

Após o recesso de final de ano, quando o Museu de Antropologia reabre finalmente suas portas, qual não foi a surpresa ao registrarem uma procura nunca vista antes, muitos ali presentes pela primeira vez, e quase a totalidade dos visitantes em busca de conferir as vitrines vazias, contemplando os espaços onde antes se encontravam parte de suas histórias. Mais vale, portanto, o acesso facilitado ou a certeza de que algo está perdido para sempre? Se valoriza o que está ao nosso alcance ou aquilo inevitavelmente proibido? Gael Garcia Bernal surge como reflexo de uma geração desorientada, carente de bases e tradições, que não vê como ficar, muito menos para onde partir. E assim Museu vai criando sua história, mais pelo que significa e pelas reflexões que permite, do que pelos acontecimentos sobre os quais decide se debruçar. Eventos e consequências que, infelizmente, soam tão atuais hoje quanto trinta anos atrás.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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