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Sinopse

Depois de crescer com seus pais adotivos na Grécia, um jovem comete um assassinato por acidente ao completar 20 anos. Enquanto cumpre pena, se apaixona e tem um filho com uma trabalhadora da prisão.

Crítica

A soma de muitos acasos, dispostos no tempo e espaço para soarem os mais aleatórios possíveis, porém frutos de cálculos precisos e bastante pontuais. Assim resulta em cena os esforços da realizadora alemã Angela Schanalec em Music, o décimo longa-metragem de sua filmografia. Quem a conhece pelo seu trabalho anterior, Eu estava em casa, mas... (2019) – pelo qual ganhou o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim e colecionou troféus nos demais eventos por onde passou, como nos festivais de Mar del Plata (Argentina) e San Sebastián (Espanha), entre outros – encontrará dessa vez uma radicalização ainda maior da sua proposta de cinema. O que apresenta é uma trama que cruza gerações, mas de forma assumidamente teatral, praticamente ensaiada, artificial a ponto de ficar evidente para a audiência: eis uma representação proposital, e, portanto, não mera simulação da realidade. É falso, portanto factível de interpretações, dissimulações e anseios, tudo em nome de algo a ser alcançado. A questão é o quanto desse intento, enfim, será possível reconhecer no objetivo proposto.

Do bebê abandonado no meio das montanhas ao jovem que se torna assassino por acidente apenas por refutar uma abordagem amorosa indesejada, é pelo terreno dos extremos que a contadora de histórias em questão transita. Para começar, ninguém sobreviveria em condições tão adversas, ainda mais uma figura tão diminuta e indefesa. Mesmo assim, acaba sendo resgatada, e sua vida não será em vão. Da criança que ganhou uma nova chance ao jovem que age como se fosse dono do mundo que se estende diante de si, o chamado da responsabilidade não tardará a estender sobre ele sua sombra. Assim, uma vez que o erro é cometido, trata-se de pagar sua dívida para com a sociedade. O curioso é que, nesse retrato, não há protestos, insatisfações ou queixas: as regras são claras, e válidas a todos. Uma vez desrespeitadas, há de serem cumpridas as penalidades impostas. E a essas os personagens se submetem sem manifestações contrárias. A concordância individual, enfim, pouco importa.

É na prisão que o rapaz encontra a mulher que, lentamente, se encarregará de mudar sua vida. A relação dos dois, desprovida de arroubos de paixão, também seguirá um curso lógico, quase matemático: uma aproximação eventual, o contato que se mantém quando já liberto, a decisão de morarem juntos, o filho que se encaminha, a criação daquele que depende deles. Eis uma cartilha a ser seguida, e a ela estão atentos. Porém, eventualidades podem acontecer, e não estão a salvos do não planejado. Mas a este reagem com espanto, um misto de incredulidade e inadequação, permanecendo estáticos por não saberem como reagir frente ao desconhecido. Os atores em cena são como peças em um tabuleiro, movimentando-se de acordo com as decisões que partem de agentes externos, que a tudo observam, reservando-se o direito de interferirem o mínimo possível. Afinal, quando a máquina está bem ajustada, supõe-se que irá funcionar quase que por conta própria.

Há, no entanto, a questão da música – presente no título, mas ausente na maior parte do enredo. Quando o agora homem se vê tomado por outra situação além do seu controle, será no canto que buscará forças para justificar sua presença, seja pela elaboração do belo, pelo encanto da sonoridade que se descobre capaz de produzir ou mesmo pelo efeito que perceberá provocar nos demais. Trata-se, portanto, de um elemento transformador, um prêmio de consolação, que represente tanto um contentamento frente às tantas perdas do cotidiano, como uma exigência que apenas o preparo e a dedicação poderão conduzir ao domínio. Neste quadro de fortes pinceladas, exige-se tanto dos tipos dispostos em cena, como da audiência que com tais conjunturas se verá confrontada: lidar com estes cenários, independente de qual lado se esteja, não será uma tarefa das mais simples. Menos ainda poderão ser as gratificações que deste empenho resultarão.

Assim, frente a uma parábola entre a sorte e o prejuízo, o muito que se arrisca e o pouco que se ganha, Music faz de seu conjunto um conto para iniciados, hermético a um público despreparado e resistente aos aventureiros que aqui chegarem desprovidos dos símbolos necessários que tal leitura reconhece como imprescindíveis. Eis um filme de difícil comunicação, que fala muito de si para consigo mesmo, sem dar espaço aos que de fora ousarem se aproximar. Aos demais, os que conseguirem suplantar tamanhas barreiras, poderão se sentir valorizados, como na execução de um feito propício a poucos. Mas cinema não é maratona, e por mais que não anseie por simplificações ou mesmo ausência de contrapartida com o público, sabe-se da necessidade desse como etapa crucial do processo através do qual se valida. Ao fechar as portas justamente àquele que se mostra essencial, resigna-se em si, como se nada mais fosse relevante. Um pecado não raro, mas do qual poucos conseguirão se ver livres uma vez que nele apostarem todas as suas cartas.

Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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