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Sinopse

São Paulo, 2019, três corações prestes a se partir. Ricardo namora, mas nutre uma paixão platônica por Felipe, seu novo colega de trabalho. Isabela, em crise com Ricardo, que é seu melhor amigo, enfrenta sozinha o rompimento de seu namoro com Gabriel. Enquanto isso, Felipe se vê no meio de Ricardo e Isabela, entre as projeções de uma relação ideal e a descoberta de novos sentimentos. Três jovens com emoções à flor da pele, cheios de opiniões e dúvidas, vivendo paixões pulsantes, ao som e com a intensidade das músicas para morrer de amor.

Crítica

Quando o filme cita a possibilidade de “morrer de amor”, ele faz referência a “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, peça em que dois adolescentes se suicidam devido à impossibilidade de concretização do romance entre ambos. É certo que, no século XVI, quando a peça foi escrita, a idade dos jovens os qualificava para o casamento e a vida adulta, mas ainda assim, esta união trágica definiu uma ideia de romantismo pautada no martírio, no sofrimento, e nos sentimentos acima de qualquer forma de racionalidade. Relacionamentos saudáveis constituem um conceito muito moderno para a época de casamentos arranjados, obrigatoriedade de procriar e honrar o nome da família. A morte de Romeu e Julieta constitui, acima de tudo, um sintoma da opressão social da época.

É esta forma de amor que o diretor Rafael Gomes busca atualizar à pós-modernidade. Qual seria, nos tempos de individualismo das redes sociais, o equivalente do amor shakespeariano? Entram em cena três jovens adultos apaixonados uns pelos outros: Ricardo, Felipe e Isabela. Eles se comunicam por frases de efeito pseudofilosóficas, efetuam grandes gestos catárticos (ah, o flagra durante a festa!), e sobretudo, existem apenas para amar e serem amados. Estas pessoas trabalham, porém sem qualquer investimento na profissão. Eles não possuem contas para pagar, nem problemas familiares dignos de nota (mesmo um abrupto suicídio é abordado com leveza). Os personagens pensam apenas em quem amam, quem os amará, ou porque ainda não são amados. Dezenas de beijos são oferecidos para pautar o ritmo, em função análoga aos cortes da montagem.

O espectador precisará de um pouco mais do que a habitual suspensão da descrença para embarcar na narrativa açucarada. Quanto mais idealiza os amores, mais adolescentes estes personagens se tornam, e quanto mais coincidências o roteiro fornece, mais perto chega da fantasia. A imagem restringe-se aos close-ups e aos planos de conjunto, sem maiores ambições, como se tivesse medo de prejudicar os diálogos, verdadeiros motores da trama. Mesmo as metáforas, como os papéis ao vento, transformam-se em representações literais do papel ao vento, o que traduz a literalidade quase cômica com que o filme aborda sua sentimentalidade. Caso adotasse algum tipo de distanciamento em relação ao imaginário utópico, poderia tecer um bom comentário social, mas o filme acredita seriamente no funcionamento desta bolha amorosa hipster e ensimesmada na qual também transitam os demais personagens.

Talvez este seja o aspecto mais incômodo diante de Música para Morrer de Amor: sua desconexão com a realidade. Não basta incluir telefones celulares e uma dezena de personagens supostamente bissexuais, e tampouco adianta estampar as camisetas dos protagonistas com frases políticas, se eles não se inserem numa sociedade em que estes conceitos adquirem valor, afirmando-se ou opondo-se a outros valores vigentes. Dentro de seus apartamentos de classe média-alta, fazendo obras de arte para o término de um namoro ou multiplicando as festas, eles jamais confrontam seu individualismo à coletividade. É difícil se identificar com este trio, cuja evolução de sentimentos é fragmentada pela montagem (Felipe e Ricardo se conhecem e, na cena seguinte, parecem íntimos) e soterrada pela artificialidade dos diálogos. Por mais talentosos que sejam os atores – Mayara Constantino, em especial, traz uma bela dose de humanidade às falas –, eles não conseguem imprimir verossimilhança a relacionamentos que se ressentem de um trabalho mais refinado de tempo e de gradação.

Além disso, há a música, é claro. Visto o título, não surpreende que a narrativa esteja recheada de canções sentimentais, mas chama a atenção a rapidez com que elas se sucedem. Nenhuma música possui o tempo de exercer um peso na narrativa antes de ser substituída pela próxima, como se a edição de som viesse de um DJ preocupado demais em entediar o seu público. Mesmo contando com a presença de Milton Nascimento, Maria Gadú, Fafá de Belém e outros grandes nomes da música, o filme não permite que construam suas apresentações com um mínimo de contemplação. Música para Morrer de Amor representa um cinema escapista por excelência, fugindo à política das ruas, às obrigatoriedades da vida adulta, e mesmo à contemplação inerente à arte, abandonada em prol da playlist hiperativa. Os músicos e atores em participações especiais se tornam gadgets, piscadas de olho ao público. Ao fim, o filme se assemelha àquele(a) amigo(a) dramático(a) demais, obcecado(a) com seus próprios problemas, e a quem ninguém te coragem de dar uma sacudida e chamar a atenção para o mundo lá fora.

Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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