float(15) float(4) float(3.8)

Crítica


6

Leitores


4 votos 7.6

Onde Assistir

Sinopse

A vida e a obra de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, um dos protagonista da trupe Os Trapalhões.

Crítica

Coincidência ou não, estrearam quase ao mesmo tempo nas nossas telonas duas cinebiografias brasileiras de jovens negros que ascenderam socialmente por meio da arte. Nosso Sonho (2023), contando a história da dupla de cantores e compositores Claudinho e Buchecha, e Mussum: O Films, a respeito de Antônio Carlos Bernardes Gomes, conhecido como Mussum ou, aos ainda mais íntimos, Mumu da Mangueira. Os dois filmes utilizam a mesma estratégia de começar mostrando seus personagens principais encarando um momento dramático e voltar no tempo para contar tudo o que aconteceu até a chegada naquele ponto. Depois de fazer uma esquete dentro do programa da trupe Os Trapalhões, Mussum (Ailton Graça) recebe a notícia de que sua mãe (Neusa Borges) passou mal e está em estado grave num hospital. Então, o protagonista é apresentado entre o exercício de sua atividade humorística e o desespero diante da possibilidade de perder a pessoa mais importante de sua vida – aliás, na cinebio de Claudinho e Buchecha a mãe do primeiro é pintada com tintas reverentes bem parecidas. A isso segue-se um resumo que encara a tarefa hercúlea de resumir uma vida inteira repleta de episódios e recortes interessantes, às vezes passando um pouco rápido demais por determinados momentos, noutras conseguindo emocionar ao abordar o sujeito talentoso nas áreas da música e do humor.

Cacau Protásio e Thawan Lucas na cena da leitura, em "Mussum: O Filmis"

Contando com um elenco tão numeroso quanto talentoso, Mussum: O Films tem dois momentos bem distintos. No primeiro (e melhor) temos a infância de Antônio Carlos numa comunidade carente da cidade do Rio de Janeiro, criado pela mãe (interpretada nessa fase por Cacau Protásio) e seduzido pelo som do reco-reco desde muito cedo. Mesmo que seja um cineasta de primeira viagem, Silvio Guindane demonstra atenção especial ao trabalho dos intérpretes, talvez por isso tantas composições se destaquem positivamente no filme. Por exemplo, Cacau Protásio, mais conhecida por comédias rasgadas e personagens expansivas, aqui se sai muito bem como uma figura materna firme que precisa ser ludibriada se Carlinhos quiser ter contato com a música. Ela representa a chefe de família que cresceu dignamente na pobreza, cuja percepção de futuro transmitida aos filhos passa necessariamente pela segurança financeira. Suas cenas com o pequeno que viria a ser Mussum (Thawan Lucas Bandeira, menino bastante carismático) são sintomáticas dessa realidade comum nas periferias brasileiras, a das mães solo que vestem a armadura da austeridade para que seus descendentes não tenham de apanhar tanto da vida como elas. O diretor é muito feliz especialmente na dinâmica envolvendo a alfabetização do garoto que ganha as ferramentas para ajudar a mãe a realizar o sonho de escrever o seu nome.

A juventude de Mussum também é um período interessante em Mussum: O Films. Ainda que o roteiro assinado por Paulo Cursino imponha uma pressa improdutiva para lidar com os diversos momentos da vida do protagonista, Silvio Guindane consegue valorizar os instantes de modo expressivo. Nessa fase, é chegada a vez de Yuri Marçal assumir o personagem em construção, encarregado de representar a fase na qual o protagonista mergulha de vez na vida de sambista, ganha a responsabilidade de pai e começa a vislumbrar a vida adulta. Mussum: o Films parece mais livre de certos compromissos e amarras quando está nos mostrando Antônio Carlos distante da figura do Mussum, que se tornaria uma das personalidades mais célebres do Brasil nos anos 1980/90. Ainda que haja muita história para pouco tempo, Silvio Guindane parece ganhar liberdade para elaborar um pouco melhor certas coisas desse período pré-fama, como o processo que levou Carlinhos a deixar a segurança da carreira militar, defendida pela mãe como uma necessidade, para se dedicar à música – claro, apenas quando a nova atividade começou a ser compensadora financeiramente e, por consequência, prover uma segurança. Assim que Ailton Graça assume o protagonista (muito bem, diga-se de passagem), a produção se vê um pouco refém de certas convenções, como a condensação de tantos assuntos tornados célebres.

Talvez poucos conhecessem a fundo episódios da infância e da juventude de Antônio Carlos. Muitos certamente sabem algo da vida do Mussum adulto, principalmente porque ele se tornou uma pessoa pública com pouca privacidade a partir da entrada na trupe Os Trapalhões, um dos maiores sucessos midiáticos brasileiros do século 20. Então, a segunda metade de Mussum: O Films é ainda mais afetada por esse recorte imenso que o roteirista Paulo Cursino faz da vida de Mussum. E, no meio de tanta correria, certas coisas são representadas de modo meio displicente, como a ascensão social do protagonista, o papel das esposas em sua vida – elas são subalternizadas, relegadas ao papel invisível de quem apoia o marido nos bastidores –, as turbulências que levaram à separação momentânea da trupe mais amada da televisão e do cinema, as relações afetivas com a Estação Primeira de Mangueira, entre outros apontamentos apressados. Felizmente, a superficialidade imposta pelo excesso de informação é compensada pelo trabalho do elenco capitaneado por um Ailton (em estado de) Graça que vai além de imitar trejeitos e expressões peculiares. E, insistindo numa ideia proposta anteriormente por aqui, a coesão do elenco pode ser creditada ao comando de  Silvio Guindane, diretor que compreende exatamente o papel dos intérpretes nesse processo de transformar a vida de alguém em filme. Então, apesar da pressa e dos excessos, essa cinebiografia tem qualidades e até algum charme.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *