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Sinopse

Lisa desistiu de suas ambições como dramaturga em Berlim e se mudou para a Suíça com seus filhos e marido, onde dirige uma escola internacional. Quando seu irmão gêmeo, Sven, ator de teatro, adoece de leucemia, obrigando-a a retornar à capital alemã.

Crítica

Minha Irmã (2020) constitui o que se poderia chamar de "cinema de qualidade". O roteiro é bem desenvolvido, os personagens se aprofundam a contento, existem grandes conflitos humanos explorados e resolvidos nas horas certas, demonstra-se ternura pelos protagonistas enquanto se busca um debate sobre temas importantes. A direção de fotografia é precisa, assim como a montagem e especialmente a atuação da dupla central, Nina Hoss e Lars Eidinger, ambos muito comprometidos em seus papéis. A trama sobre dois irmãos gêmeos e artistas combatendo o câncer avançado dele contém a cota sentimental que se esperaria de uma produção elegante, refinada, munida de temas universais e facilmente compreensíveis.

No entanto, algo soa deslocado nesta forma de cinema. A doença como motivo de conflito humano e jornada de superação foi inúmeras vezes explorada e codificada pelo cinema comercial. Como não se identificar com uma pessoa doente combatendo a morte a duras penas? Como não torcer pela irmã generosa, disposta a doar sua medula óssea ao irmão e acompanhá-lo na árdua jornada de recuperação? Como não admirar essas pessoas belas, cultas, que fazem brincadeiras despretensiosas enquanto citam Brecht, Shakespeare e Chopin? As diretoras Stéphanie Chuat e Véronique Raymond garantem que nenhum personagem se torne vítima ou herói, e especialmente, que não haja vilões. Somos convidados a compreender os motivos de cada um, seja aqueles que se comportam com pudor diante de uma situação delicada ou aqueles que se lançam de braços abertos no abismo, desejando viver intensamente os últimos momentos. Este ensaio sobre a prudência ou a coragem, sobre a resistência ou desistência, consiste numa forma de cinema humanista dependente demais do sofrimento para gerar empatia.

Há pouco tempo, estes costumavam ser os filmes recompensados com todos os prêmios das indústrias e dos festivais: histórias de doentes e deficientes, acumulando catarses que permitam aos atores demonstrarem sua capacidade de passar do riso ao choro, do otimismo ao desespero. Minha Irmã possui uma generosa dose de cenas em que Nina Hoss e Lars Eidinger explodem, cada um à sua maneira, em lágrimas que soam honestas e justificadas dentro daquele contexto. No entanto, o filme não corre riscos nem demonstra ousadia. Narrativamente, o resultado se revela previsível, comportado até demais – o espectador pode deduzir sem esforços como a trama se encerrará, e qual será o papel de cada personagem neste momento. A vida em declínio será compensada pela eternidade da arte: caberá à irmã escritora preparar uma peça de teatro homenageando o irmão doente. Esteticamente, a câmera na mão tremendo perto do rosto de um e de outro no hospital busca imprimir um tom de urgência e liberdade, para então se acalmar e se contentar com composições clássicas, reservando espaço para seus personagens brilharem.

A soma de brigas e abraços, abandonos e reconciliações atesta a necessidade da direção em exteriorizar cada sentimento por não acreditar no potencial do silêncio, da sugestão, da metáfora. Isso não significa que se deva abandonar filmes sobre personagens moribundos – este constitui um tema tão merecedor de ganhar as telas quanto qualquer outro. No entanto, o discurso voluntarista resulta numa forma segura demais de imaginar as relações humanas, por estarem dentro de um contexto protegido (as casas confortáveis na Suíça e na Alemanha), cortadas da sociedade ao redor, sem envolver de fato qualquer outro personagem (as crianças não compreendem bem a doença do tio, o namorado de Sven está ausente, o marido de Lisa pensa apenas em sua própria carreira). Os mais belos filmes recentes sobre dor e luto foram aqueles que compreenderam a coexistência dos tempos: quando alguém fica doente, o mundo não para. Ainda é preciso pagar as contas, levar as crianças para a escola, ir ao trabalho. No entanto, o drama suíço interrompe a vida para o câncer constituir o único tema no horizonte. O mundo ao redor não importa.

Assim, estamos diante de um drama com D maiúsculo, e também “d” de doença, de dor. Para quem dizia que o brasileiro só era solidário no câncer, talvez o público de cinema, em tempos polarizados, avessos à política partidária e em busca de alguma forma consensual de união, confraternize em torno da beleza (perversa, talvez) da doença alheia. Dentro de um festival de cinema, responsável por apresentar novas formas de pensar o cinema e o mundo, esta talvez seja uma escolha surpreendentemente conservadora. Não se transmite pela estética a violência das relações humanas, não se busca poeticamente alguma representação da passagem do tempo, dos corpos definhando. Resta a contemplação do espetáculo polido de Hoss e Eidinger chorando bem, amando bem, abraçando-se bem. Há algo amargo neste cinema burguês de expiação dos sentimentos, cinema de reconforto que acaricia o espectador sem provocá-lo.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.  

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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