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Sinopse

O policial Tom, a professora Marion e o curador de museu Patrick estão no centro de uma história sobre amores proibidos e mudança das convenções no Reino Unido dos anos 1950. Adiante, eles remoem as suas saudades.

Crítica

Aos desavisados, a maneira como o diretor Michael Grandage (O Mestre dos Gênios, 2016) opta por dar início à história de Meu Policial talvez pegue um ou outro de surpresa. Mas é uma estratégia um tanto inocente, que rapidamente se mostra infundada. Logo nas primeiras cenas, o que se desenha é, supostamente, as consequências de um triângulo amoroso, com a esposa aceitando sob seu teto este terceiro, já envelhecido e acamado, enquanto o companheiro dela se mostra contrário à decisão, ainda que resignado. Teria sido o recém-chegado alguém importante no passado dela, que, ao se ver debilitado, recorreu a única pessoa capaz de ajudá-lo, sujeitando ao marido essa posição incômoda de ciúmes, porém ciente de estar contribuindo em um ato de compaixão? Essa impressão, porém, rapidamente se dissipa, uma vez que o marketing a respeito desse projeto trata sem meias palavras de apontar o galã Harry Styles (em um dos seus primeiros trabalhos no cinema como protagonista) em cenas de sexo gay (vistas, entretanto, de modo bastante pudico). Sim, o homem doente foi amante de um deles, mas não dela, e, sim, do esposo. O que teria a motivado a auxiliá-lo nesse momento de desespero, e por qual razão esses que já estiveram tão entregues agora precisam lidar com a rejeição de um e a debilidade do outro? A resolução dessas questões poderia apontar para um drama sexy e envolvente, mas o que se revela em cena é algo não mais do que morno, prometendo muito, sem nunca cumprir as expectativas levantadas.

Styles é o policial do título, mas importante observar que a alcunha que carrega está precedida por um pronome possessivo. Ou seja, não é exatamente ele que afirma ser de alguém. Por outro lado, também não é o caso específico de apenas uma ou outra pessoa, mas de dois indivíduos em particular: Marion, a professora sem grandes ambições e melhor amiga da irmã dele, e Patrick, o curador de um museu de arte que após um encontro quase ao acaso apresenta ao rapaz um novo mundo de possibilidades e tentações. Os dois, de um jeito ou de outro, se apaixonam por Tom, que trata de corresponder a estes desejos despertados sob óticas situadas entre o oportunismo e o egoísmo. De Patrick, ele se aproxima por se tratar de alguém que finalmente o permite dar vazão a um aspecto de sua identidade que até então tanto se esforçava para manter submersa, ao mesmo tempo em que aproveitava com entusiasmo esse universo refinado e culto ao qual nunca antes havia tido acesso, apesar de por ele muito ansiar. Da mesma forma, manteve-se por perto da garota por ver nela um meio para aparentar uma certa respeitabilidade e caráter, ainda mais por se tratar do interior da Inglaterra nos anos 1950, período e local que ainda tratava a homossexualidade como um infração ilegal – e, por isso, passível de prisão.

Ainda que no livro escrito por Bethan Roberts – no qual esse filme se baseia – a narrativa se divida entre os pontos de vista tanto de Marion quanto de Patrick (ou seja, Tom, enquanto objeto de querer de ambos, é apenas visto pela ótica deles, sem nunca entregar ao leitor suas reais intenções), nessa adaptação cinematográfica o roteirista Ron Nyswaner (indicado ao Oscar por Filadélfia, 1993) opta por privilegiar a abordagem feminina. O que não deixa de ser no mínimo inusitado, pois ao invés de se aprofundar nesse relacionamento condenado por uma sociedade conservadora e preconceituosa, ele deliberadamente escolhe dar atenção a essa mulher que, pela baixa autoestima, se sujeitou a um casamento sem amor e por anos se manteve cega em relação à verdadeira orientação sexual do homem com quem dividia a cama. Sem dar muito espaço às suas motivações e nem ir além do “naquele tempo era assim”, o que termina por fazer no presente – tanto levar o amante do marido para a própria casa, como cuidá-lo, exigir que os dois se entendam e, por fim, compreender qual o seu lugar nessa relação – acaba por soar por demais gratuito, sem esquecer de desprovido de maiores tensões.

Tom, vivido na juventude por Harry Styles e por Linus Roache (Batman Begins, 2005) na maturidade, é praticamente uma figura de decoração, uma estampa pela qual se nutre admiração, mas da qual pouco se aproxima. Dele pouco se fica sabendo, e menos ainda se exige em termos de profundidade dramática. Afinal, ele é o “meu policial” tanto dela quanto dele, da esposa, Marion (Emma Corrin e Gina McKee, de Trama Fantasma, 2017), e do amante, Patrick (David Dawson, de Um Jantar Entre Espiões, 2022, e Rupert Everett). Esses dois, portanto, é que despertam interesse e curiosidade, tanto por parte de quem está contando a história, como também a partir daqueles que com ela são confrontados. Enquanto Corrin se resigna a um papel coadjuvante, da mocinha ingênua e pouco experiente, em McKee há um entendimento maior a respeito de sua situação, o que faz sentido diante do novo desfecho (se comparado com o livro) que lhe é oferecido. Por outro lado, tanto Dawson quanto Everett (esse refém da condição clínica de seu personagem) propõem uma construção mais rica de detalhes, que vão desde a amargura pelas poucas armas que possui para lutar pelo seu amor, como também frente às injustiças que lhes são destinadas, tanto no âmbito íntimo, como pela sociedade. São pelos esforços deles que a atenção se mantém, uma vez que tanto Styles quanto Roache demonstram satisfação em apenas se fazerem presentes, sem muito mais a agregar ao conjunto.

Grandage, enquanto realizador, se mostra comedido diante de um drama romântico dono de tantas facetas, mas que termina por ser desenrolado em cena do modo mais convencional e previsível possível. Até o improvisado final feliz – outra mudança em relação ao texto original – soa gratuito, quase artificial, pois não é construído como resultado de uma mudança progressiva, mas, sim, imposta por outros. Dessa forma, Meu Policial falha não apenas por se confirmar incapaz de explorar o potencial apresentado, como também é tímido enquanto parte de um processo de reconhecimento e resgate de histórias que lutem pela diversidade sexual de modo positivo e saudável. É um filme desconectado do seu tempo, que ao mesmo tempo em que investe em uma beleza estética, sustentada apenas pelas aparências – o belo elenco, os cenários encantadores – empurra pra debaixo do tapete uma discussão que não pode – nem merece – ser ignorada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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