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Sinopse

Recém-graduada na faculdade, uma jovem aceita trabalhar para a agência literária que gerencia os trabalhos do renomado escritor J.D. Salinger, de O Apanhador no Campo de Centeio. Na verdade, Joanna sonha em se tornar escritora, mas esconde suas aspirações para garantir o trabalho de secretária. Durante um ano, ela faz descobertas reveladoras sobre as dificuldades do ramo artístico em Nova York.

Crítica

No início, as imagens de Meu Ano em Nova York remetem às comédias de Woody Allen nos anos 1980 e 1990. O cenário é a Nova York dos belos prédios e dos cafés charmosos em cada esquina, a Nova York dos intelectuais um tanto arrogantes, porém cativantes, que o diretor adorava detestar. A protagonista Joanna (Margaret Qualley) narra a sua própria história, comentando ao espectador cada passo de sua introdução no meio literário, enquanto efetua comentários irônicos sobre as pessoas ao redor. Ela possui bom nível sociocultural e um discurso progressista que lhe permitem observar as demais pessoas com uma mistura de empatia e desprezo. Joanna é contratada como secretária na agência literária responsável pelas obras de J.D. Salinger, embora sonhe na verdade em se tornar escritora. Ela sabe que dez em cada dez secretárias de agentes literários possuem as mesmas aspirações, e zomba de si própria pela crença numa carreira impossível.

Aos poucos, o humor autocondescendente desaparece, ou ao menos se atenua. Não existe nenhum comentário particularmente ácido sobre a sociedade daquela época, muito menos sobre o meio artístico norte-americano – diferenciando-se de Allen, portanto. O diretor canadense Philippe Falardeau investe numa narrativa calma, marcada por pequenos sorrisos e dramas moderados, sem jamais reforçar o tom (nem sequer no suposto clímax da história). Ele está mais preocupado em fornecer um conto de fadas sobre a garota que passa a acreditar em si mesma através de J.D. Salinger, mentor sem rosto cujo sucesso lhe serve de inspiração. A aparência fabular insinua-se no horizonte por meio das cores quentes e da música bondosa a cada passagem de tempo, ou ainda por meio de um forçado triângulo amoroso com dois garotos por quem Joanna jamais demonstra qualquer forma de amor ou desejo real. Por mais que defenda o feminismo em suas falas, a protagonista ainda é enxergada pelo diretor como uma jovem indefesa. Antes que o espectador perceba, os personagens estarão literalmente participando de uma cena musical no hall um hotel chique.

O caráter inofensivo e excessivamente cortês de My Salinger Year acaba por aproximá-lo não das obras de Woody Allen, mas talvez de uma versão light de O Diabo Veste Prada (2006), no qual uma secretária atrapalhada (Margaret Qualley / Anne Hathaway) também se dedica com tanta ênfase ao trabalho que negligencia o amor, enquanto adora-detesta sua chefe elegante e tirânica (Sigourney Weaver / Meryl Streep) que, apesar de detestar quase todos os funcionários ao redor, acaba se afeiçoando à gata borralheira. Existe até espaço para a cena em que a megera atravessa uma crise pessoal e se revela, dentro de sua casa, sem maquiagem nem roupas finas pela primeira vez. Haveria espaço para um comentário mordaz sobre este mundo de aparências em que os autores são vistos como marcas, porém Falardeau demonstra receio em ofender quem quer que seja, fornecendo a cada personagem o destino desejado. A adesão do espectador dependerá de sua interpretação sobre a ingenuidade como recurso charmoso ou apenas escapista.

Enquanto proposta estética, a direção busca composições que não agridam os olhos, e tampouco chamem atenção para si mesmas. Joanna está sempre enquadrada no centro da imagem, com os cabelos e roupas impecavelmente arrumados. A chefe ostenta o mesmo cigarro nas mãos, lança os mesmos olhares cena após cena, ao passo que o namorado vestido com chinelos e camisetas rasgadas será aquele que acabará decepcionando a protagonista, é claro. Os papéis de parede no escritório e a paleta de cores comportada, em variações de bege, completam a aparência de um cinema “bom aluno”, desprovido de ousadias e riscos. A ideia mais destoante enquanto adaptação literária se encontra nas narrações frontais à câmera, tanto no caso de Joanna quanto dos fãs que escrevem cartas a Salinger. Um recurso perfeitamente comum na literatura – a voz indireta, a narração em off – torna-se um artifício bastante deslocado da verossimilhança reinante.

Ao final, Joanna será descrita pela chefe Margaret enquanto uma pessoa de “bons instintos e bom coração”. É isso que o filme retém a respeito de sua protagonista sorridente, cuja maior rebeldia contra o sistema consiste em responder secretamente à carta de um leitor de Salinger, fornecendo conselhos generosos. Esta é uma Nova York sem sexo nem drogas, sem insultos nem dramas, uma cidade de intelectuais que jamais discutem literatura a fundo, um cenário onde a aspirante a poetisa jamais ganha a chance de ler seus poemas, onde o namorado escritor de romances nunca recebe o esperado retorno pelo texto que produziu. Este é um universo de afeto generalizado, o que certamente será descrito enquanto feel good movie pela maior parte da imprensa, mas talvez seja muito menos agradável ao se aprofundar tão pouco na psicologia dos personagens, ou mesmo no cenário sociopolítico da época. Contra a proposta de qualquer elemento disruptivo, fornece-se a fábula sobre a importância de acreditar em si próprio.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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