Mystify: Michael Hutchence
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Richard Lowenstein
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Mystify: Michael Hutchence
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2019
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Austrália / Reino Unido
Crítica
Leitores
Sinopse
A vida e a obra, ambas conturbadas, do músico australiano que ficou famoso como vocalista da banda INXS.
Crítica
A trajetória de Michael Hutchence (1960 – 1997), vocalista do INXS, uma das bandas australianas mais bem-sucedidas da História, possui diversos dos principais elementos que povoam o imaginário do público e também as biografias de muitas estrelas da música, incluindo o fim precoce e trágico – um suicídio por enforcamento aos 37 anos de idade. Em Mystify: Michael Hutchence, o diretor Richard Lowenstein reafirma parte desses estereótipos do rock star, até amplificando alguns, ao mesmo tempo em que busca apresentar um retrato mais íntimo, oferecendo a humanização do ícone. Intimidade com seu biografado é algo que Lowenstein possui, tendo acompanhado de perto o INXS, dirigindo os videoclipes dos principais hits do grupo – como Need You Tonight, New Sensation, Never Tear Us Apart e a canção que dá nome ao longa, Mystify – além de ter comandado Hutchence em sua principal incursão como ator, em Sexo, Drogas e Rock’n Roll (1986).
No âmbito narrativo, o cineasta busca transmitir essa proximidade na forma como apresenta o conteúdo produzido especialmente para o documentário, trazendo os depoimentos de companheiros de banda, amigos e familiares apenas em áudio, ilustrados na tela por uma vasta gama de imagens de arquivo oficiais – shows, ensaios, entrevistas, participações em programas de TV – e pessoais, registradas pelo próprio Hutchence ou por pessoas próximas. Assim, Lowenstein tenta criar um fluxo imagético dando certa ênfase à qualidade por vezes abstrata ou desconexa dos registros amadores feitos pelo cantor, para, de alguma forma, representar suas memórias. Dentro desaa proposta existe estrutura cronológica convencional – infância, formação da banda, sucesso alcançado nos anos 80, o declínio na década seguinte etc. –, mas sem o rigor de um glossário pontuando cada evento. Sua exposição é mais aberta, solta, dando destaque a alguns fatos, como os lançamentos dos discos Kick (1987), que alçou a banda ao estrelato mundial, e X (1990), que sustentou este status por algum tempo.
Para mergulhar no aspecto pessoal da vida de Hutchence, Lowenstein adota como fio condutor um de seus elementos mais notórios: os relacionamentos amorosos. São as mulheres que fizeram parte de sua história as responsáveis pelas principais revelações e também por oferecer o olhar mais intimista sobre sua figura. Da relação mais duradoura, Michelle Bennett – para muito seu grande amor – passando pelas mais midiáticas, a cantora Kylie Minogue ou a modelo dinamarquesa Helena Christensen, todas apresentam relatos bastante afetuosos, mas também abertos e honestos acerca das dificuldades e das facetas menos agradáveis do companheiro. Minogue, por exemplo, fala de modo franco sobre a conexão sexual e o aspecto da experimentação, em vários níveis, presente no envolvimento dos dois, algo evidenciado pelos vídeos feitos pelo casal em uma viagem a Veneza. Com Michele, a insegurança e as fragilidades de Hutchence são realçadas, enquanto Helena o acompanha em uma fase de transformação, do ápice profissional e do romance idílico na França a um período mais sombrio e melancólico.
Lowenstein conduz com segurança essa escalada, do início leve e mesmo de exaltação do ícone ao ato final carregado dramaticamente, quando se aprofunda em temas delicados e nos possíveis motivos que teriam levado Hutchence a tirar a própria vida. Existe um retorno, com olhar mais atento, à juventude do vocalista, abordando a relação conturbada com os pais, ambos ausentes de modos distintos, ou o sentimento de culpa em relação ao irmão mais novo, que viveu sempre à sua sombra. Porém, o fato mais revelador talvez seja mesmo sobre o incidente ocorrido na Dinamarca, ao lado de Helena, quando Hutchence foi agredido por um taxista, sofrendo uma fratura no crânio que deixou sequelas: a perda total do olfato e parcial do paladar. Lowenstein atribui a essa perda de sentidos – trazendo até mesmo o depoimento de uma especialista – a mudança comportamental de Hutchence, reafirmada por todos. Um momento de ruptura do homem doce e carismático para alguém instável e agressivo.
Por fim, Mystify: Michael Hutchence, dedica boa parte de seu ato derradeiro a tratar do envolvimento do protagonista com a apresentadora britânica Paula Yates (também falecida tragicamente, por uma overdose, em 2000). As disputas judiciais com o ex-marido – o cantor Bob Geldof – pela guarda dos filhos e depois pela guarda da filha com Hutchence, um episódio envolvendo posse de drogas e a cobertura agressiva dos tabloides britânicos, tiveram um enorme impacto nos anos finais do líder do INXS. Ao expor todos esses fatos, Lowenstein parece querer afirmar que o impulso autodestrutivo de Hutchence não seria algo natural, que sempre o acompanhou, mas sim fruto das circunstâncias, tornando-o mais uma vítima das pressões do mundo do rock. Tal afirmação ressoa com um tom de pesar genuinamente tocante, fechando a narrativa contada de modo envolvente, com o auxílio do ótimo trabalho de montagem, mesclando os momentos particulares às demonstrações do talento de Hutchence no palco, como as belas imagens do show antológico no estádio de Wembley, em 1991. Mesmo que talvez ofereça mais o olhar idealizado de terceiros sobre o cantor, Lowenstein dá espaço suficiente para que o próprio também se defina, afastando seu retrato da artificialidade e o aproximando da humanização tão desejada.
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