Crítica
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Crítica
Em Na Cabine de Exibição (2019), o diretor Ra’anan Alexandrowicz parte de um questionamento fascinante: de que maneira nossos preconceitos e nossa experiência de vida condicionam a interpretação das imagens? No caso, de que maneira os jovens norte-americanos percebem vídeos amadores sobre o conflito Israel-Palestina, retratados tanto por ativistas pró-Israel quanto pró-Palestina? A indagação forneceria um estudo fascinante pela perspectiva da psicologia cognitiva, da antropologia das imagens ou da sociologia comportamental, entre outros. O cineasta constrói um dispositivo bastante apropriado a estes estudos: ele convida estudantes a compartilharem suas impressões diante dos vídeos de guerra, enquanto uma câmera filma seus rostos. Eles reagiriam da mesma maneira? Veriam aspectos diferentes a partir do mesmo vídeo? Talvez a pergunta seja retórica, visto que a crença na pluralidade de pontos de vista constitui a condição sine qua non para o projeto existir. No entanto, Alexandrowicz surpreende ao afirmar que não pretende efetuar nenhum experimento, apenas um estudo pessoal. De maneira humilde, explica estar em busca de pontos de vista sobre um tema que lhe é caro. Por isso, acompanha a reação de uma única estudante, Maia Levy.
Ora, o problema desta afirmação se encontra no dispositivo tipicamente científico, e na condição de amostragem que o diretor estabelece para si próprio. Enquanto observação das reações alheias, o resultado encontra inúmeros problemas de ordem metodológica, e mesmo moral. Primeiro, nunca sabemos quais critérios foram utilizados na escolha destes alunos. Aparentemente, foram chamadas pessoas “com interesse em Israel”. O que isso significa? Em paralelo, seria fundamental explicar por que seis alunos tiveram seus depoimentos descartados após a gravação, permitindo ao documentário se concentrar apenas em Maia. O que os outros disseram não era interessante? Não seria conveniente incluir as respostas deles, ainda que para esclarecer o motivo de não serem consideradas relevantes? Se não foram aproveitados, por que expor seus rostos nas imagens? Isso não incorreria numa falha ética com os demais participantes, “reprovados” num sistema que não aparentava possui um processo de seleção? Talvez a melhor resposta provenha da liberdade artística: enquanto cineasta, o israelense não é obrigado a incluir nenhum depoimento que não queira. No entanto, a partir do momento em que revela a existência de outros estudantes, desperta uma responsabilidade para com eles. Este gesto sublinha o fato que o próprio autor percebe o dispositivo enquanto experimento, embora não o admita.
Além disso, Alexandrowicz não possui uma hipótese, nem um objetivo. Não se sabe o que espera encontrar nestas interações, nem o que pensa sobre o posicionamento de Maia, uma jovem desconfiada sobre os vídeos, mas não necessariamente dotada de senso crítico. A quase totalidade das respostas às cenas de agressões envolvendo crianças consiste em dizer que provavelmente foram encenadas. O que o diretor, que explica de maneira didática seu trabalho no início, pensaria a respeito? A partir de qual critério selecionou aqueles vídeos em particular? A conclusão anticlimática e abrupta reforça a ideia de que nenhum aprendizado foi extraído da comunicação com a garota – afinal, que deduções poderia obter a partir de uma única pessoa? O cineasta afirma vagamente que Maia foi escolhida por possuir opiniões divergentes das suas. Faltaria então representar este atrito, seja em imagens, seja pelo confronto direto, em diálogos. O filme fica preso num incômodo meio-termo: ele nem permite à americana, filha de israelenses, expressar-se livremente (o diretor faz diversas intervenções e condiciona as respostas), nem estabelece um debate de ideias. A protagonista emite comentários vagos sobre a dificuldade de determinar a veracidade de imagem, enquanto o cineasta se contenta com a óbvia constatação.
Esteticamente, o mecanismo poderia constituir um belo retrato da nossa realidade mediada por telas. Em pleno 2020, os “vídeos de reação” se tornaram um fenômeno nas redes sociais. Voluntariamente ou não, o filme se comunica com a época em que jovens se tornam populares na Internet sem produzirem conteúdo algum, apenas reagindo a propostas alheias. Ora, a exploração de linguagem durante a observação se Maia se torna limitadíssima. Há duas câmeras: uma voltada diretamente ao rosto da jovem, e outra que lhe capta através da pequena janela na porta, à distância. Esta última, dotada de certa mobilidade, relembra ocasionalmente a existência de monitores do lado de fora, por onde o diretor observa a sessão de vídeos na cabine ao lado. Ao longo de pouco mais de 70 minutos, temos acesso unicamente a estes dois-três ângulos, em luz mal elaborada e enquadramentos banais. Uma perspectiva mais aberta da sala poderia revelar a estudante refletindo a angústia ou medo pelas mãos, ou batendo as pernas de desconforto. Uma câmera no rosto do diretor-personagem revelaria a reação dele às falas dela, equilibrando de certo modo o embate. Nenhum dos dois se levanta, vai ao corredor, descansa. Resta a impressão de que este filme nunca possuiu reais pretensões cinematográficas, no entanto, recolheu o material considerado interessante, juntou-o até atingir a duração mínima de um longa-metragem e “aproveitou” para criar uma obra. Para o espectador, a experiência se assemelha àquela de assistir às câmeras escondidas de um estudo sociológico qualquer, quando se avalia o valor do experimento, não a escolha de luz, ângulos ou duração dos planos. Ciência e arte possuem critérios bastante diferentes.
O que o espectador pensaria por si mesmo sobre estas imagens de guerra? É difícil saber, visto que o documentário não mostra nenhum dos curtíssimos vídeos por completo. Na reta final, Na Cabine de Exibição permite o retorno de Maia para assistir a si mesma, pouco mais de seis meses depois da primeira gravação. (Por que este intervalo de tempo em especial? Algo aconteceu nos conflitos entre Israel e Palestina entre as duas sessões? Não se sabe). O confronto da jovem consigo teria potencial de propor uma expansão dos olhares, para que ela ou reafirmasse seus pontos de vista, ou então discordasse das opiniões anteriores. Ora, não se obtém nenhum efeito relevante a partir do novo recurso. Ela sorri diante de suas imagens, e Alexandrowicz se dá por satisfeito. O cineasta nunca cogitou a possibilidade de convidar estudantes palestinos, ou de origem palestina, para observarem as imagens? Ao final, o projeto de amplas ambições falha em praticamente todas as suas vertentes. Enquanto discussão política, evita trazer qualquer comentário acerca das circunstâncias específicas da guerra. Enquanto discurso metalinguístico sobre o ato de olhar, não explora as possibilidades de atrito pela imagem. Enquanto estudo do valor interpretativo, transparece somente a dificuldade do diretor em interpretar as análises alheias. O cineasta ainda confessa, no final, estar perplexo, e ter “muito o que aprender”. A conclusão do estudo, assim como o desfecho do filme, deixa um amargo gosto de fracasso.
Filme visto online no 9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, em outubro de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 3 |
Lucas Salgado | 5 |
Francisco Carbone | 8 |
Diego Benevides | 4 |
MÉDIA | 5 |
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