Crítica
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Sinopse
Uma história familiar misteriosa é revelada enquanto uma jovem liberta demônios e outras ameaças sobrenaturais. Carly é convidada a se reconectar com a mãe condenada por crimes hediondos. Mas, há algo e estranho dentro dela.
Crítica
O indiano M. Night Shyamalan foi considerado um prodígio após o lançamento de O Sexto Sentido (1999). Alguns críticos mais desesperados para eleger o próximo gênio em meio à mediocridade reinante o consideraram precocemente “o novo Alfred Hitchcock”. Pois, depois de outras produções elogiadas, Shyamalan fez escolhas questionáveis e começou a ter a sua excepcionalidade posta em xeque. Passou a não mais ser tão enxergado como alguém a ser venerado. E aí, fez algo que se provou acertado: deu um passo atrás, deixou de lado a grandiloquência e sobressaiu novamente com A Visita (2015), apropriação bem-sucedida da estética e da estrutura narrativa do found footage para regressar ao essencial. Parece ser mais ou menos essa a tentativa do sul-africano Neill Blomkamp com Na Mente do Demônio. Após igualmente ser tratado como joia rara por diversos especialistas que não demoraram a enchê-lo de (merecidos) elogios pelo excelente Distrito 9 (2009), ele colecionou decepções com suas próximas incursões pelo gênero da ficção científica (Elysium, 2013, e Chappie, 2015), despencando tão rapidamente quanto ascendeu. Blomkamp prometeu fazer um novo RoboCop, mas o projeto deu em nada; prometeu fazer um revigorado Alien, mas o projeto aparentemente também dará em nada. Aqui ele incursiona pelo terror. Porém, o resultado definitivamente não é animador.
Escrito e dirigido por Neill Blomkamp, Na Mente do Demônio tem como protagonista Carly (Carly Pope), mulher afligida por sombras do passado. Ao reencontrar a melhor amiga da adolescência depois de anos de ausência, ela se refere o que ficou para trás como uma mancha (mas o que seria?). Um pouco mais tarde, ao tomar um refrigerante com outro companheiro das antigas, tem uma conversa não menos evasiva (para esconder o quê?). O roteiro mira na instigação da curiosidade e acaba errando o alvo feio. Isso acontece por conta da pobreza do diálogo, da forma desajeitada como um personagem claramente está dando deixas superficiais para seu interlocutor captar algo que o espectador ainda não conhece. Então, desde cedo no longa-metragem a lógica meramente expositiva pede passagem ao ponto de esvair a tensão que poderia nascer da expectativa. Carly recebe esclarecimentos e explicações por todos os lugares onde passa. Por exemplo, ao papear com Martin (Chris William Martin), a protagonista chega a pedir que ele explique novamente suas teses supostamente malucas de antigamente. E o que o filme faz? Mostra o sujeito exatamente falando, tim-tim por tim-tim, a respeito das elucubrações envolvendo espíritos obsessores, procedimentos e pesquisas. Adiante, o mesmo personagem continua palestrando a fim deixar o espectador confortável ao compreender tudinho.
Oras, se o filme se esforça para “deixar o espectador confortável”, temos um problema (corre aqui, Neill Blomkamp). Uma das potências do terror é justamente a capacidade de colocar a plateia em contato com situações que não a permitam sentir a tal comodidade. Mas, Na Mente do Demônio está mais preocupado em destrinchar os ingredientes do enredo supostamente mirabolante do que focar nessa essência. Senão vejamos. Carly é filha da mulher condenada por ter ateado fogo num asilo (com isso matando 21 pessoas) e depois envenenado mais cinco (entre estas a própria mãe). Forçada pelas circunstâncias a literalmente se reconectar à criminosa por meio de uma traquitana tecnológica, Carly consequentemente se reconecta com os traumas. E o que o filme faz com isso? No máximo apresenta a personagem dizendo que está sofrendo. Ela manifesta da forma mais superficial possível que esse processo é aflitivo. Neill Blomkamp se empenha em chamar a atenção para o intercâmbio que deveria ser muito mais interessante entre o horror e a ficção científica. Antes de entrar num simulador que pode coloca-la virtualmente em contato com a mãe em coma, Carly tem uma verdadeira aula de como funciona cada etapa do processo. As rápidas e acintosas tomadas do cientista com pinta de suspeito, enquanto a conferência acontece, são formas nada sutis de sinalizar que ali há meias verdades.
Ainda sobre a lógica expositiva que se instaura no filme como uma doença degenerativa, chega-se ao cúmulo de um moribundo ensinar convenientemente como utilizar o sistema tecnologicamente intrincado e do próprio monstro parar um pouquinho a matança para dizer o que fará a seguir. Autoimposta por um roteiro frágil, essa necessidade constante de explanar/esclarecer vai tornando o filme banal, chegando muito perto do inofensivo. E essa noção ganha outro componente (bizarro) com os padres se preparando (DO NADA) para o exorcismo. É um exército de tatuados prestes a travar uma batalha sagrada – a ocasião estaria prontinha para a entrada em cena de um brutamontes dos naipes de Dwayne Johnson, Vin Diesel, Jean-Claude Van Damme ou Dolph Lundgren dizendo algo do tipo “vamos matar espíritos, soldados de deus”. Quanto à mitologia em torno da ameaça, ela é completamente diluída durante o percurso previsível da protagonista. Esteticamente falando, o único elemento positivo é a rotoscopia – técnica de animação aplicada em filmagens em live-action – utilizada durante as incursões de Carly pelos cenários mentais de sua mãe catatônica. No entanto, Blomkamp sequer utiliza a textura peculiar do resultado para conferir personalidade aos instantes de imersão. Então, diferentemente do que A Visita fez por M. Night Shyamalan, é difícil de imaginar que Na Mente do Demônio vá causar comoção em torno do “retorno de Neil Blomkamp”. Pelo contrário, pois confirma a sua crise criativa.
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