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Sinopse

Young-hee é uma atriz famosa que tem a sua vida pessoal exposta após um caso com um homem casado. Ela decide abandonar a cidade europeia onde mora e dar uma pausa na carreira. Young-hee reencontra os velhos amigos e começa a refletir sobre suas possibilidades de futuro. Em noites regadas a álcool, ela se libera e diz o que realmente sente.

Crítica

Dentro do cenário cinematográfico atual, o sul-coreano Hong Sang-soo é um dos nomes que melhor sintetiza o conceito de depuração de estilo, construindo seus trabalhos sempre sobre uma base estética rigorosa e sobre variações dos mesmos temas, cenários e tipos. Na Praia à Noite Sozinha é mais um exemplar inequívoco da fórmula desenvolvida pelo diretor, que renova e amplia seu fascínio por conseguir, mesmo lidando com a repetição, manter-se aberto ao imprevisível, escondendo por trás de sua aparente simplicidade camadas de complexidade e poesia. “Tudo parece começar despretensiosamente... mas, então, as coisas passam a se descascar como uma laranja”, assim Martin Scorsese define o cinema de Sang-soo, que de seus incontáveis encontros à mesa entre amigos e amantes, invariavelmente regados a doses generosas de álcool – na forma do soju –, extrai delicadeza, comicidade e epifanias envoltas por uma sinceridade cortante.

O título, além de referenciar o poema de Walt Whitman, carrega outro elemento recorrente nos longas do cineasta: a conexão com a paisagem natural. A praia, assim como os parques e os santuários, configura um terreno familiar a Sang-soo, um local que funciona como válvula de escape, justamente o que parece procurar a protagonista da trama, Young-hee (Kim Min-hee), uma famosa atriz sul-coreana de passagem por Hamburgo. Visitando uma amiga que mora já há alguns anos na Alemanha, Young-hee aproveita também para se distanciar da repercussão de seu caso com um homem casado – um prestigiado cineasta. Por esse ponto de partida, é possível identificar ainda um viés mais autobiográfico do que de costume na obra do cineasta, um aparente reflexo de seu próprio envolvimento com a musa Min-hee.

Estruturalmente, Na Praia à Noite Sozinha se vale de um recurso já utilizado pelo diretor no excepcional Certo Agora, Errado Antes (2015), ao encerrar e reiniciar o longa, com direito a uma nova sequência de créditos. Aqui, porém, existe uma diferença fundamental nessa estruturação, já que a divisão não resulta em duas metades de durações equivalentes, representando pontos de vista distintos de uma mesma história, como no longa anterior, mas sim numa espécie de capítulo independente, mais curto, que mimetiza um rito de passagem. Não à toa, Young-hee, em uma cena inesperada, se ajoelha e reza antes de atravessar uma ponte, ato simbólico de seu desejo de iniciar um novo caminho. O choque do estranho em terras estrangeiras desse ato inicial funciona como o retrato inverso do visto em A Visitante Francesa (2012), no qual a personagem de Isabelle Huppert se deparava com as particularidades sul-coreanas, e que também tinha na praia um cenário primordial.

É numa enigmática sequência à beira-mar que se encerra esse prólogo germânico, com Young-hee desacordada sendo carregada por um homem – que se supõe seja o mesmo desconhecido visto anteriormente interpelando-a. Um rapto ou um resgate? De encontro à realidade ou à fantasia? Sang-soo sustenta até o fim essa aura ambígua sobre o que vemos, iniciando o segundo ato justamente com a imagem da protagonista em uma sala de cinema, contemplando a tela. De volta à Coreia do Sul, ela se depara com velhos conhecidos, ainda enfrentando o processo de superação do término de seu relacionamento. A cada reencontro, a constatação de todos é unânime: de que Young-hee aparente estar mais madura. Afirmação que não sabe exatamente como assimilar, mas à qual reage de modo direto e franco, como ao responder que um dos amigos, por sua vez, parece mais velho e doente.

Enquanto os outros especulam sobre seu estado emocional, a própria Young-hee se mostra confusa, deixando transparecer sua incerteza, bem como sua sexualidade à flor da pele, que afeta todos os homens à sua volta. Tais sentimentos se intensificam nos debates etílicos típicos de Sang-soo, quando Young-hee revela estar cansada dos homens e até experiencia um beijo lésbico com uma das amigas. No tom de brincadeira e provocação de tal atitude, Sang-soo expõe a profunda solidão da personagem, sua necessidade de se sentir amada. Pois Young-hee talvez seja sua protagonista mais melancólica, e por isso também uma das mais cativantes, qualidade elevada pela figura de Min-hee. Dona de uma beleza tão delicada quanto magnética, a atriz exala o charme exaltado por todos em relação à personagem, trafegando com uma naturalidade invejável entre os silêncios singelos e os rompantes emocionais explosivos, como na magnífica sequência em que reencontra o cineasta casado.

Na fala do personagem sobre como planeja rodar seu próximo filme, “Filmando a primeira cena e deixando que ela leve à próxima, sem planejamento” pode se enxergar a essência do apurado estilo de Sang-soo, que transmite um senso genuíno de casualidade, como se fixasse sua câmera esperando que a ação preencha o espaço instintivamente. Através desse despojamento organicamente construído, se utilizando dos célebres zooms repentinos para pontuar e evidenciar a importância de objetos e expressões, Sang-soo compõe planos belíssimos, como o de Young-hee cantarolando sozinha enquanto fuma um cigarro do lado de fora do restaurante, quando observa as flores de um canteiro ou ao ser acordada nas areias da praia. Essa melancolia encantadora reveste mais uma reflexão do autor sobre o amor e, particularmente, sobre aquilo que deve ser deixado de lado quando se ama.

A atestação de que amar acarreta em abdicar de algo se encontra no trecho do livro lido pelo personagem do cineasta, que o leva às lágrimas, no poema recitado pelos amigos durante o jantar ou mesmo no gesto trivial, mas não menos metafórico, de separar os feijões. A qualidade inexplicável, desse sentimento tão avassalador, se confunde com a própria magia dos filmes de Sang-soo, que proporcionam a identificação imediata, fazendo emanar humanidade de cada uma de suas idiossincrasias. Pois filmar também é abdicar, fazer escolhas a todo o tempo, e as decisões de Sang-soo são feitas sempre em favor das sensações e da reflexão, nunca da tentativa pretensiosa de oferecer respostas definitivas, ainda mais sobre uma matéria abstrata como o amor. “Vocês não são qualificados para amar”, brada Young-hee aos amigos. Mas, afinal, quem o é?

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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