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Sinopse

Paul e seus amigos se alistam voluntariamente no exército alemão movidos por um rompante de patriotismo. No entanto, não demora para esse orgulho ser diluído num redemoinho de realidades que lhes mostram as verdades.

Crítica

Publicado em 1929, o livro Nada de Novo no Front se tornou um sucesso. Seu autor, Erich Maria Remarque, foi imediatamente celebrado pela novidade da sua perspectiva pacifista para retratar as experiências de jovens alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Antes dele, os conflitos de ordem global eram vistos nos livros e nos filmes, essencialmente, como panos-de-fundo de romances interditados pelo conflito ou movimentos defensáveis do ponto de vista coletivo, caso se levassem à evolução das sociedades – algo do tipo “os fins justificassem os meios”. E o que chamou a atenção dos leitores da época foi a narrativa em que as vivências de vários personagens estavam a serviço de uma sentença implícita: nenhuma guerra é justificável. O êxito editorial foi tanto que em 1930 é lançada a versão cinematográfica intitulada no Brasil de Sem Novidade no Front, dirigida por Lewis Milestone, vencedora dos Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção. Um clássico imediato por levar às telonas essa visão antibélica. Portanto, fica a pergunta: porque cargas d’água o cineasta Edward Berger resolveu levar a história novamente aos cinemas? Os remakes se justificam por vários fatores entre eles as atualizações de abordagem de acordo com a época vigente ou as adaptações a outras culturas. Nada disso acontece aqui. O que temos é uma suposta repetição de lugares-comuns de filmes de guerra.

Mas, por que “suposta”? Porque Nada de Novo no Front se baseia em algo que ajudou a construir esses clichês de certos filmes de guerra, especialmente os que emprestaram da narrativa literária de Erich Maria Remarque, transformada em espetáculo cinematográfico por Lewis Milestone. Não é difícil imaginar, por exemplo, que todo o drama humano da Segunda Guerra Mundial retratado por Steven Spielberg em O Resgate do Soldado Ryan (1998) beba dessa importante fonte de inspiração quanto à abordagem pacifista. Então, é fundamental analisar a atual superprodução alemã, que enche os olhos pelo cuidado de sua fatura técnica, dentro dessa perspectiva histórica e da mera repetição de estratégias. Guardadas todas as devidas proporções, é como refilmar o clássico Acossado (1960), reprisando seus princípios estéticos e narrativos (hoje presentes até em peças publicitárias), e esperar semelhante impacto decorrente da novidade nos anos 1960. Existe uma enorme diferença entre assistir hoje ao filme de Jean-Luc Godard, mediado pelo imprescindível exercício de contextualização histórica da sua influência, e encarar uma produção da nossa contemporaneidade que se valha estritamente dos mesmos preceitos. Afinal de contas, os filmes pertencem às suas respectivas épocas. Então, o que esse drama bélico sobre jovens que rapidamente perdem a inocência tem a nos dizer agora?

Como mensageiro, Nada de Novo no Front é eloquente. Ele reitera a ideia do quão absurdo é mandar gente à batalha em função dos joguetes militares e geopolíticos das nações. E isso é mais criticamente apontado nas vezes em que enxergamos os donos das altas patentes exercendo a sua arbitrariedade com a vida alheia enquanto se refestelam em banquetes pornográficos. Mas, exatamente por apenas reproduzir elementos de um clássico tão utilizado anteriormente como inspiração, ao ponto de estabelecer determinados lugares-comuns por sua importância, esse novo longa-metragem chega em 2022 como um museu de aparentes novidades. O protagonista é Paul (Felix Kammerer), rapaz que falsifica a autorização dos pais a fim de embarcar com os três melhores amigos para o conflito global. Excitados pelos discursos motivacionais dos recrutadores, eles perdem o entusiasmo ao chegarem às lamacentas e frias trincheiras nas quais ficarão confinados por muito tempo. Amigos tombam aos montes, a fome e a desilusão apertam, o arrependimento somente não é maior do que a vontade de sobreviver, os superiores têm atitudes grotescas que não levam a vida em consideração e nada parece fazer sentido. O cineasta basicamente se atém aos elementos que desde 1929/30, ou seja, da publicação do livro e do lançamento da primeira versão para cinema, foram esgotados por outras obras similares.

Então, mesmo que estejamos diante de uma superprodução suntuosa que se esforça para levar às telonas com realismo esse absurdo da guerra, Nada de Novo no Front acaba se tornando uma experiência de certa forma estéril pela mera repetição do mais do mesmo. E o “já vimos este filme” não se aplica somente à trama propriamente dita, mas ao encadeamento dos dramas como estratégia para a construção de um discurso pacifista. Paul começa empolgado, logo é apresentado à realidade, encara sucessivas vezes a morte, ignora que seu destino está sendo traçado em palacetes e acaba representando a essência da tragédia de guerra com a sua sina. Como protagonista, ele é restrito a ser um frágil fio condutor que vai revelando outras realidades e expectativas frustradas não muito diferentes das suas. É compreensível que Sem Novidade no Front tenha causado um abalo nas plateias dos anos 1930, inclusive por contrariar a hegemônica narrativa norte-americana de celebração dos heróis do front para continuar alimentando a faminta máquina de guerra. Porém, decorridos quase 100 anos em que essa abordagem foi reutilizada por outros roteiristas e cineastas dispostos a encarar conflitos no que eles têm de mais indesculpável, essa história, e inclusive como ela é contada, faz bem mais sentido dentro do esforço de compreender o seu impacto no mundo dos anos 1920/30. Já no de 2022, embora bem filmada e eletrizante em certos momentos, ela parece um prato servido frio e de gosto conhecido.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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