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Sinopse

Numa época de boom econômico na Itália, o gângster Santo Russo ascende no submundo do crime. Ele se vale de seu carisma e da vocação para os excessos a fim de conquistar a confiança da máfia italiana.

Crítica

Apesar do longa italiano Nada Santo ser originário do berço da máfia, suas principais inspirações se encontram no imaginário hollywoodiano sobre o tema, mais especificamente no cinema de Martin Scorsese. A jornada de ascensão e queda do protagonista Santo Russo (Riccardo Scamarcio) – bem como as opções narrativas e estéticas do diretor Renato De Maria – carrega boa parte dos elementos básicos das sagas sobre o submundo do crime organizado ítalo-americano criadas por Scorsese em filmes como Caminhos Perigosos (1973), Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995). A começar pela cronologia da trama, que parte de um dilema e retorna no tempo para narrar os fatos que levaram o personagem principal ao ponto de conflito no qual o encontramos inicialmente. Assim, De Maria percorre quase duas décadas, de meados dos anos 70 até o início dos anos 90, para apresentar o relato de Santo, vindo ainda jovem da região da Calábria para Milão, onde passa a conviver com o universo da Cosa nostra.

Da narração em off às tomadas em câmera lenta que perfilam os mafiosos enquanto o protagonista apresenta cada um – nome, apelido, posição hierárquica – tudo soa extremamente familiar. Além da ambientação italiana, a diferença entre a história de Santo e a de Henry Hill é que enquanto o último, personagem de Ray Liotta em Os Bons Companheiros, afirma que sempre quis ser um gângster, o primeiro revela ter adentrado esse mundo por acidente, ao ser preso injustamente. São as circunstâncias, incluindo o desprezo do pai, portanto, que o levam a se tornar um criminoso, e não o desejo ou a ambição. Algo que poderia render um conflito particular relevante, mas nunca é devidamente explorado, vide o modo como Santo abraça os prazeres de sua escalada ao poder sem qualquer questionamento. Tal ascensão se acompanha sem aborrecimento, mas também sem muitas surpresas, por meio das montagens didáticas que expõem as ramificações dos negócios ou ainda as “habilidades” do personagem: assaltos, assassinatos, sequestros (seguindo a onda que tomou Milão nos anos 80), fraudes imobiliárias e, por fim, o tráfico de heroína.

Por mais que Scamarcio empreste seu carisma para tornar mais empático um personagem de comportamento quase sempre condenável, a construção do mesmo se mostra derivativa, com poucas particularidades– basicamente se limitando às explicações sobre as diferenças entre mafiosos calabreses e sicilianos. Se a figura central, mesmo com suas fragilidades, ainda possui algum apelo graças ao seu intérprete, falta à obra de Renato De Maria, entre outras coisas, algo que sobra à sua fonte inspiradora: coadjuvantes marcantes que se equiparem ao protagonista. Nem os antigos chefões, nem os possíveis antagonistas ou mesmo os companheiros de longa data de Santo conseguem ter uma fração do brilho das figuras encarnadas, por exemplo, por Joe Pesci nos filmes de Scorsese. De Maria busca oferecer às mulheres o papel de agente de confronto e ao mesmo tempo de alicerce para o desenvolvimento de Santo. Decisão que termina por expor o ponto talvez mais contestável de seu trabalho. Pois mais do que a romantização do universo retratado, de Maria opera com o fetichismo.

Os carros de luxo, as roupas e os penteados, que denotam o esmero com os detalhes da reconstituição de época e os bons valores de produção, deixam transparecer esse olhar fetichista. Característica que se impõe justamente sobre a representação das figuras femininas, mostradas como pouco mais do que materializações das fantasias masculinas. Desde a jovem freira do reformatório, passando pela amante francesa sofisticada, Annabelle (Marie-Ange Casta), até chegar à esposa, Mariangela (Sara Serraiocco), a mulher pura, doce e devota, que não deixa outra opção a Santo a não ser se casar após a primeira transa. De Maria até busca criar um arco dramático pessoal menos simplista para a personagem, que Serraiocco defende como pode, abordando a questão da religiosidade tão cara aos italianos. Contudo, sua construção é problemática, não conseguindo fugir por completo da erotização gratuita.

Resta a Nada Santo alguns lampejos de frescor quando decide explorar o absurdo por seu potencial cômico – e que mesmo assim também remetem a Scorsese, especialmente no exagero hedonista de O Lobo de Wall Street (2013) – caso da sequência do assalto à joalheria, do rompante de violência durante a performance artística ou da prisão em meio à cerimônia de casamento. No entanto, esses momentos se mostram insuficientes para evitar que o longa se encaminhe a um desfecho originado por ato sem muita justificativa e que mais uma vez referencia Os Bons Companheiros, com direito a breve quebra da quarta parede, quando o protagonista lança um olhar diretamente ao espectador para reforçar a fala de sua narração. O resultado orbita no meio termo entre a redenção e o desejo de se assumir totalmente amoral, fazendo com que Santo Russo fique longe de entrar para a galeria de mafiosos notáveis do cinema.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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