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Sinopse
A cineasta Susanna Lira vai até o Equador em busca da própria história. Na bagagem, apenas as lembranças da mãe sobre o envolvimento com um equatoriano de esquerda que foi embora sem saber que tinha uma filha brasileira.
Crítica
Susanna Lira é, provavelmente, a cineasta mais prolífica e constante do atual cenário brasileiro. Felizmente, seus filmes e séries têm contradito aquela máxima de que a quantidade tende a comprometer a qualidade. Sua obra mais recente, Nada Sobre Meu Pai, pode ser compreendida como projeto-irmão de Torre das Donzelas (2018, um dos trabalhos mais celebrados de sua carreira, pois igualmente trata dos estilhaços de uma ditadura. No longa-metragem anterior, ela revisitou um grupo de mulheres mantidas cativas pelo regime que desgovernou o Brasil por 21 anos, tendo a memória como matéria-prima da narrativa documental. Dessa vez, Susanna volta as lentes à dimensão pessoal, empreendendo uma jornada ao Equador em busca do seu pai desconhecido. Na bagagem, como pistas soltas, ela carrega apenas o que a mãe lhe contou desse envolvimento que durou cerca de dois meses: um homem chamado pelos íntimos de Quito (provavelmente equatoriano) e que se dizia militante de esquerda. Nenhum rosto, tampouco a certeza de que o nome próprio apresentado era genuíno – lembrando que era muito comum a utilização se pseudônimos para fugir à sanha de forças repressora. No processo árduo de tentar rastrear esse sujeito do qual quase nada sabe, Susanna se depara com as heranças de um regime que também marcou a ferro e fogo a história do Equador. Ela transforma a busca em revelação.
Em certo momento do documentário, um cineasta local filosofa sobre a maneira como pode ser encarado esse ponto da História do Equador, marcado por graves violências, tendo em vista que a atividade cinematográfica não era possível em escala suficiente no país: “é preciso buscar o Equador daquela época em outras latitudes”. Trata-se de um resumo da estratégia utilizada pela própria Susanna nessa jornada rumo à figura paterna, da qual têm somente o referencial das lembranças maternas. A realizadora faz questão de expor o mapeamento de sua investigação, registrando entrevistas a redes locais de televisão, participações em programas de rádio e o diálogo com as autoridades que se colocam à sua inteira disposição. Portanto, temos nisso o dado prático da apuração, a demonstração um tanto lógica de como devem se dar as tentativas de localizar alguém sem a munição de referências consistentes. Nesse processo, ela se depara com possíveis “suspeitos”, sérios candidatos a pai que possuem alguma equivalência com os causos contados pela mãe. Homens que passaram pelo Brasil no começo dos anos 1970, alguns deles reafirmando o orgulho de suas convicções políticas, outros que não demonstram a mesma paixão pelas causas da esquerda. Os diversos exemplos são muito bem costurados para injetar continuamente interesse na procura. O resultado é um thriller pela memória fracionada do país.
Desse modo, Susanna vai montando a cada vez mais clara imagem da paternidade almejada, partindo de “outras latitudes”, da conexão com um país que sofreu em seu tecido histórico por conta de tensões semelhantes às que atravessaram o Brasil. Se a expectativa da cineasta (e, por conseguinte, também a nossa) era chegar a um resultado definitivo depois dessa trajetória cansativa, isso acaba ficando em segundo plano por conta daquilo que se desenha aos poucos no caminho. Nada Sobre Meu Pai se assemelha a um road movie, um filme de estrada, sobretudo em virtude da transformação flagrante da protagonista ao longo de seu trajeto inquieto. Diante desse “deslocamento”, o clímax passa a ser praticamente secundário. Mas, claro, estamos falando da busca de uma filha por seu pai e, de modo mais amplo, da tentativa de localizar as suas raízes. E, se essas raízes não podem ser materializadas em um homem, numa figura humana determinada por características físicas/psicológicas específicas/singulares, por que não juntar fragmentos do discurso político-social de pessoas (homens e mulheres) que compartilharam com seu pai biológico de um ideal e de formas admiráveis de encarar a própria cidadania? Então, Susanna acaba encontrando essas raízes nas latitudes que se oferecem como partículas de uma História. Nisso é evidente que a sentida ausência do pai é consequência da repressão política.
Susanna Lira se coloca diante da câmera como personagem ativa. Inicialmente escondida pelo desfoque na conversa com as autoridades, porém, cada vez mais exposta como protagonista efetiva da busca provavelmente fadada à frustração. Essa progressão da presença da cineasta diante das câmeras pode ser entendida como consciência da necessidade de enfatizar o ponto de vista e não o tornar demasiadamente difuso em prol de uma pretensa universalidade. Susanna evita narrações que conduzam didaticamente a experiência do espectador, que prescrevam o que ele deve sentir diante da experiência dela ao improvável encontro de um pai. Habilmente, monta um quebra-cabeça com várias imagens: a do presente do Equador, e de como algumas pessoas lidam com o passado; a desse momento histórico em que jovens se amotinaram contra os desmandos de um ditador autoproclamado de esquerda, mas que agia como extremista de direita; a de artistas e sujeitos de outras áreas de interesse que refletem retrospectivamente sobre uma juventude de lutas impetuosas; a de familiares que sentem saudades de entes queridos; a da consciência da amplitude do conceito de herança e raiz. Claro que torcemos para Susanna encontrar o almejado pai e, sobretudo, que ele corresponda às suas expectativas. No entanto, não demora para percebermos que, aparecendo ou não esse homem, a filha-cineasta já teve pleno êxito por acrescentar noções de pertencimento ao seu imaginário.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 6 |
Alysson Oliveira | 7 |
MÉDIA | 7 |
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