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Crítica


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Sinopse

Gerry Cotten é um conhecido multimilionário do ramo das criptomoedas. Quando ele morre, um grupo de investidores decide investigar os bastidores do caso, até porque acreditam que Gerry roubou-lhes milhões.

Crítica

Aos poucos, a Netflix está popularizando um tipo de documentário que lança luz sobre histórias e/ou personagens aparentemente mirabolantes demais para serem verdade. Nesse rol temos proprietários de zoológicos privados acusados de maus tratos e tentativas de assassinato de defensores dos animais (A Máfia dos Tigres, 2020-2021) e um rapaz que seduz vítimas num aplicativo de namoro para aplicar golpes financeiros (O Golpista do Tinder, 2022). Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda entra de cabeça nessa de explorar uma trama que parece ter saído da cabeça de um ficcionista com total liberdade para romper com as coerências da realidade. A figura principal do filme é Gerry Cotten, um daqueles gênios tecnológicos que ficam multimilionários antes de completar 30 anos. Típico nerd introspectivo, ele criou uma das mais influentes casas de negociação de criptomoedas do Canadá, rapidamente se tornando uma referência à apaixonada comunidade norte-americana adepta desse modelo financeiro alternativo que vem ganhando cada vez mais investidores. Para quem não manja nada de bitcoins e afins, o filme fornece informações suficientes para evitar confusões. Ainda que sem tantos pormenores, o roteiro traça um panorama geral capaz de situar tranquilamente gregos e troianos.

Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda assume desde o começo a primazia do viés investigativo. Tudo gira em torno de um mistério, aliás, de vários enigmas que são apresentados consecutivamente, como se o filme estivesse descascando as múltiplas camadas de uma cebola. Ele mostra que depois de angariar notoriedade e se tornar um farol “confiável’ para o setor das criptomoedas, Gerry Cotten morreu em condições suspeitas durante uma viagem com a esposa à Índia. Passado um mês do acontecido, a herdeira vai a público dizer que apenas o falecido tinha as chaves de acesso às criptomoedas, ou seja, era muito provável que ninguém mais conseguisse fazer transações com elas ou mesmo convertê-las em dinheiro convencional. Os principais coadjuvantes do documentário são os apostadores que tiveram prejuízos variáveis (a maioria na casa dos milhares de dólares). Eles recontam como receberam a notícia e, principalmente, de que modo se envolveram nas investigações posteriores. Diante da tarefa de ilustrar os depoimentos com imagens, o cineasta Luke Sewell mescla itens de arquivo – sobretudo os do falecido – com testemunhos dos envolvidos e pequenas dramatizações que acrescentam pouco à dinâmica visual. Aliás, esse dispositivo é bem descartável.

Numa tentativa de adicionar carga de tensão ao suspense impresso em Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda, ao realizador não basta investir na costura dos depoimentos e associa-los com as imagens de arquivo. Então, ele investe nisso de colocar as testemunhas reproduzindo gestos, tais como ligar para alguém, mandar mensagens de texto e reunir-se com os colegas. Funciona mais ou menos assim: Fulano diz: “então naquele dia encontrei Beltrana para conversarmos sobre o caso”. Enquanto a fala acontece, vemos Fulano e Beltrana encenando esse breve encontro, assim evocando o passado. O maior problema é que essas dramatizações somente reiteram o que os diálogos apresentam. Não há um sentido de complementariedade entre palavras e imagens, mas uma repetição. Lá pelas tantas, é cansativo ver Fulano afirmando que anteriormente reagiu de certa maneira a uma nova informação enquanto somos submetidos a ver Fulano encenando isso. A estratégia é uma tentativa de aproximar o espectador do que os personagens viveram em meio a um turbilhão de sensações, mas acaba sendo apenas um indício da pobreza cinematográfica da proposta. Portanto, o que segura a atenção é o curioso alinhave das intrigas que vão se sobrepondo.

Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda vale pela história maluca que fica cada vez mais maluca enquanto as teorias da conspiração ganham ares de plausibilidade. Teria Gerry Cotten forjado a própria morte para aplicar um golpe? A esposa o teria matado para ficar com a herança? Um sócio poderia ser o cérebro por trás da fraude? Luke Sewell conduz bem o filme por essas questões, adicionando elementos que ora rechaçam, ora corroboram as teses. Existe um antagonismo claro: nós (as vítimas) contra eles (os fraudadores). Está aí a principal simplificação do filme. Atento ao teor espetacular da trama repleta de componentes sombrios, o realizador evita abrir o foco à complexidade dos atos dos demais envolvidos. Luke deixa passar em brancas nuvens a ameaça masculina a viúva como um sintoma de misoginia – a repórter menciona, mas nada é desenvolvido nesse sentido. De modo semelhante, em nenhum momento há uma crise, por menor que seja, no estatuto das vítimas. Os homens que lamentam perder milhares ou milhões de dólares criam e/ou reproduzem fake news sem ponderar consequências. A dedução da culpa da viúva por uma troca de sobrenomes é exemplo disso. Não há interesse pela riqueza do painel e sim pelo aspecto sensacional dele.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Marcelo Müller
5
Ticiano Osorio
7
MÉDIA
6

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