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Sinopse

Poeta e porta-voz de uma geração inteira. Bob Dylan sempre viveu em processos constantes de mutação. De jovem menestrel a profeta folk, de poeta moderno a roqueiro, de ícone da contracultura a cristão renascido, de caubói solitário a popstar. Aqui ele se desdobra em muitos contidos num só.  

Crítica

Poético e hermético. Estas duas palavras dão uma boa idéia de como é Não Estou Lá, cinebiografia nada ortodoxa da obra e das muitas vidas de Bob Dylan. Dirigida por Todd Haynes, o longa-metragem é poesia em estado puro, mas pode perder espectadores que não conseguirem absorver as centenas de referências ao trabalho do músico norte-americano. Conhecimento mínimo sobre a vida de Bob Dylan é crucial para desfrutar tudo que Não estou Lá tem a oferecer. Por isso, não custa lembrar o documentário No Direction Home (2005), assinado por Martin Scorsese, que é um excelente ponto de partida para mergulhar na história do retratado.

Dividindo o filme em seis segmentos que andam em paralelo, Haynes criou uma cinebiografia com a cara do músico. Ou melhor, com as caras. Christian Bale, Heath Ledger, Cate Blanchett, Richard Gere, Ben Whishaw e Marcus Carl Franklin interpretam, de alguma forma, o cantor. Nenhum deles é denominado Dylan, e alguns se distanciam bastante do que imaginaríamos em uma cinebiografia. Por exemplo, Gere vive Billy The Kid, personagem do filme de Sam Peckinpah do qual Dylan participou e compôs a trilha sonora. O garotinho Marcus Carl Franklin é negro e atende pelo nome de Woody Guthrie, músico folk que foi uma grande influência para o jovem poeta. E, claro, Cate Blanchett, talvez a mais ousada e correta escolha de Haynes, interpreta um músico contestador denominado Jude Quinn. Assim como a atriz, Christian Bale e Heath Ledger vivem determinadas etapas da vida do biografado, como sua parceria com Joan Baez (vivida por Julianne Moore, aqui nomeada Alice Fabian), o casamento com Sara Lownds (interpretada por Charlotte Gainsbourg, como Claire) e a eventual conversão religiosa que transformou o judeu Dylan em um cristão. Costurando algumas cenas, vemos o poeta Arthur Rimbaud (Whishaw) em uma espécie de testemunho.

O mais interessante na narrativa de Não Estou Lá é o fato de estarmos praticamente falando de seis filmes distintos. Cada um dos personagens é acompanhado pela câmera de Haynes com uma fotografia diferente, uma narrativa diversa e um novo viés. Portanto, ao conhecermos a história de Jack Rollins (Bale), a persona de Dylan em seus tempos de cantor folk, nós o vemos através de um documentário, com depoimentos de pessoas que o conheciam, ora em cores, ora em preto e branco. Quando somos apresentados a Woody Guthrie, a fotografia puxa para o verde, como se aquelas cenas retratassem um Dylan não maduro, mesmo que afiadíssimo em suas certezas. O preto e branco das cenas de Arthur Rimbaud e Jude Quinn contrastam com o colorido cinematográfico do seguimento de Robbie Clark (Ledger) e das cores visivelmente clássicas da história de Billy the Kid. Misturando-se a beleza das imagens com diálogos e situações que passeiam pelo poético, pelo grosseiro e pelo surreal, o longa-metragem de Todd Haynes é uma daquelas produções que deve ser assistida mais de uma vez.

Até porque é sempre um prazer observar atores em atuações tão especiais e tão distintas. Christian Bale escolhe um retrato mais fiel de Dylan, caprichando nos trejeitos, no jeito de olhar para baixo ao falar, na timidez intrínseca de rapaz do interior. Já Ledger encontra um Dylan mais confiante, cheio de certezas sobre as diferenças entre homens e mulheres. Ben Whishaw ganha pouco o que fazer, mas consegue ficar na memória pelas ótimas falas de seu seguimento. Mas a grande surpresa e real estrela do filme é Cate Blanchett. Interpretando Bob Dylan em sua fase mais popular – e impopular ao mesmo tempo – a atriz dá um show com sua performance, retratando um artista que precisa todo o tempo explicar quais são as suas intenções, detestando a todo o momento ter de fazê-lo. É bem verdade que Blanchett recebe o seguimento mais interessante e com os melhores diálogos. Mas nas mãos de outra pessoa, talvez não fosse uma interpretação tão inesquecível. Não à toa, a atriz foi indicada a diversos prêmios por sua performance, dentre eles o Oscar.

Alguns acontecimentos da vida de Dylan como seu acidente de moto, o seu encontro com os Beatles, sua amizade com Allen Ginsberg e sua visita ao doente Woody Guthrie são pinceladas no longa-metragem, que é tudo, menos convencional. Não Estou Lá é um belíssimo filme, que deve ser degustado atentamente e em volume alto. Até porque as músicas de Robert Allen Zimmerman pontuam boa parte da trama, tornando o ato de assisti-la ainda mais prazerosa.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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