Crítica
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Sinopse
Em Não Fale o Mal, uma família em férias faz amizade com outra durante um passeio pelo sul da Itália. Meses depois, recebem um convite inesperado para visitá-los em sua casa, no interior da Inglaterra, e decidem passar o final de semana. No entanto, não demora para que a alegria do reencontro seja substituída por mal-entendidos e uma ameaça que pode colocar todos em perigo.
Crítica
Nunca o título foi tão explícito – e, ao mesmo tempo, tão enigmático. Não Fale o Mal é, numa análise apurada, um thriller simples e direto. Porém, entregue ao público por meio de uma história elaborada, desenvolvida com cuidado, que não se apressa em revelar seus desdobramentos e segredos, ao mesmo tempo em que deixa tudo à vista para os olhos preparados, como numa caça ao tesouro que somente os mais alertas poderão antecipar as pistas deixadas pelo caminho. Quanto ao batismo, causa (boa) impressão o quanto esse esconde em tão pouco. O Mal, aqui, é tanto uma entidade, uma força superior que domina as decisões daqueles facilmente induzidos, como um indivíduo, ou um grupo desses, cujo alerta capaz de prevenir os demais nunca chega a tempo, tanto pela incapacidade daqueles que poderiam se manifestar, como pela plena alienação dos que se deixam conduzir, sem estarem cientes do perigo que cada vez mais os rodeia e aprisiona. Assim, o resultado se confirma em grande parte à altura das expectativas, seja devido ao esforço dos envolvidos, como pela vontade do espectador em abraçar os acontecimentos, tal qual os personagens na ficção.
Ben (Scoot McNairy) e Louise (Mackenzie Davis, de composição forte e incisiva) estão de férias no interior da Itália, acompanhados apenas pela pequena, Agnes (Alix West Lefler, de A Menina do Mar, 2023). O que aos poucos será revelado é que o passeio, um momento de descanso e respiro para a família, é também uma chance de recomeço. A autoconfiança dele está abalada – perdeu o emprego recentemente, ainda não conseguiu se recolocar no mercado de trabalho – e a situação do casal está longe de se resolver apenas durante alguns dias afastados da rotina. Afinal, há outras questões envolvidas, e essas de foro mais íntimo. Eles agora moram na Inglaterra, apesar de serem dos Estados Unidos. Ali ficaram por decisão dele, que acredita ter mais chances profissionais (o que, ao menos até aquele momento, não se confirmou). Longe da família e sem conhecidos por perto, ela se deixou envolver – ainda que virtualmente – com o pai de uma colega da filha. Foram apenas a troca de alguns nudes por mensagens online, mas o suficiente para deixar o relacionamento com o marido, a partir da descoberta desse, ainda mais abalado.
É importante essa observação sobre o casal original, por assim dizer, para entender as ranhuras de sua constituição, pois será por meio delas que os recém conhecidos poderão se infiltrar. O que num primeiro momento é apenas em encontro ao acaso durante um momento de lazer, posteriormente se desdobra em um convite para um fim de semana no interior. Paddy (James McAvoy, a verdadeira força do filme, num desempenho que vai do monstruoso já visto em Fragmentado, 2016, ao sedutor percebido em Desejo e Reparação, 2007) e Ciara (Aisling Franciosi, de Drácula: A Última Viagem do Demeter, 2023) também possuem apenas um filho, o garoto Ant (Dan Hough), mas este, além de ser tímido e de comportamento imprevisível, possui uma característica física que dificulta uma maior aproximação: sua língua é menor que o normal, o que o praticamente impossibilita nele a fala. Mas encontrará em Agnes uma amiga. E, assim, os casais se tornam próximos, e o desdobramento para este segundo momento se torna natural.
Tudo parece calmo demais para um filme que se intitula Não Fale o Mal. Ou seja, há algo de errado neste cenário, e não tardará a ocupar o centro da narrativa. Antes de mais nada, portanto, é preciso se fazer ciente do que o conjunto oferece de imediato, sem se preocupar com o que porventura esteja escondido. Afinal, se o perigo não deve – ou não pode – ser mencionado, qual destes seis tipos envolvidos realmente possui dificuldade em se expressar? Não seria esse aquele no domínio completo da situação e, sendo assim, o único capaz de enfim revelar a verdade? E além disso, uma vez que os ruídos se mostram perceptíveis desde o primeiro momento – um gesto mais agressivo sanado por meio de um carinho forçado, uma resposta enviesada seguida por um sorriso amarelo, uma desculpa improvisada que não se mostra factível – porque as vítimas cedem tão facilmente à ameaça, sem se proteger ou resguardar? É quase como se pedissem pelo susto, como se fosse o único choque possível de devolvê-los a si mesmos.
Não Fale o Mal é uma refilmagem de uma produção original dinamarquesa de mesmo nome lançada há apenas dois anos (Não Fale o Mal, 2022). A reprodução encomendada por Hollywood vem pela crença de que, primeiro, poucos assistiram ao original (lançado no meio da pandemia, chegou a poucos mercados internacionais – inclusive, segue inédito no Brasil), e, segundo, embalada pelo sucesso do título dirigido por Christian Tafdrup junto ao público (se tornou uma ‘febre’ nas redes sociais na época) e com a crítica (recebeu diversas indicações, inclusive a Melhor Filme, tanto no Prêmio Bodil quanto no Robert, os dois mais importantes da Dinamarca). No entanto, o realizador desse segundo longa, James Watkins (A Mulher de Preto, 2012), se por um lado se mantém exageradamente fiel em mais da metade da trama, quase repetindo o anterior sem muita inspiração, no terço final abandona de vez a proposta e recria um desfecho mais heroico e improvável, que talvez agrade a um público sedento por reparação, mas que, diante de uma análise mais fria, não encontra respaldo. E assim, se mostra válido enquanto descarga emocional instantânea, ao mesmo tempo em que perde seu potencial perturbador – justamente o que lhe fazia perdurar enquanto pesadelo.
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