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Sinopse

Laura trabalha há anos na mesma fábrica de manequins. Ela decide contratar jovens meninos para tocá-la e criar uma ilusão de intimidade. Tudor é um ator massagista em busca de uma mulher que rejeita suas tentativas de contato físico. Paul é um ator preso em um relacionamento problemático. Laura fica fascinada por uma peça interativa e volta frequentemente para rever a apresentação, o que libera seus sentimentos reprimidos e lhe dá prazer sexual.

Crítica

Em Não Me Toque, grande vencedor do Festival de Berlim 2018, a falta de intimidade é motivo de angústia. Laura (Laura Benson) contrata regularmente garotos de programa que se masturbam para seu deleite posterior, mas que não a tocam de jeito algum. O rigor da encenação da cineasta Adina Pintilie é quase exasperante, com planos longos, cenários neutros e direção de arte minimalista. São dadas pouquíssimas informações acerca dos personagens, de suas dificuldades e motivações. A protagonista sente angústia ao mínimo contato físico, observando outras pessoas e suas relações particulares com seus corpos. Em muitos momentos, o longa-metragem fala da gente a partir de seu dado erótico ou abertamente sexual. A câmera perscruta demoradamente as carcaças, as revelando parcimoniosamente, detendo-se em genitálias, pelos, protuberâncias e até na textura da pele. O filme exige um bocado de boa vontade e concentração do espectador, oferecendo deliberadamente um percurso feito de estilhaços pretensamente expressivos.

Não Me Toque exala uma aura pernóstica. Tudo na estrutura narrativa aponta a uma esterilidade autoindulgente, à aridez projetada na telona com ares de hermetismo portentoso. O cinema entra nessa equação com equipamentos aparecendo, partícipes supostamente quebrando a diegese e a diretora, em pessoa, surgindo como interlocutora da protagonista. Laura tenta diversos métodos, tanto mirar curiosamente realidades distintas, de certa maneira calcadas na construção de uma confiança que lhe falta, quanto interagir com figuras singulares, como a transexual contratada para debater problemas de confiança e o terapeuta que lhe propõe sessões de leves agressões para expurgar a sua agressividade. Os gatilhos são curiosos, mas a condução é absolutamente tediosa. A realizadora tenta certificar sua criatividade, pretensiosamente misturando realidade e ficção para criar uma confusão de poucos efeitos.

Tomas (Tómas Lemarquis) é o personagem mais denso de Não Me Toque, embora pouco se revele. Suas dinâmicas com Christian (Christian Bayerlein) mostram a capacidade de conhecer-se através da contemplação de outrem. O parceiro de terapia/meditação/exercício possui boa parte do corpo deformado e exibe uma inteligência acima da média. Ele discorre abertamente sobre a aceitação de sua condição. Dois dos caminhos encontrados na tentativa de gerar bons vínculos são o sexo grupal e as sessões de BDSM. A estranheza prevalente no longa perpassa, também, esses momentos em que Adina demonstra habilidade para criar atmosferas, mas não para alinhavar singularidades. A impressão sobressalente é a de uma colagem de imagens desconexas que, justapostas ao semblante curioso e inquieto do sujeito, oferecem possibilidades de caminho. Todavia, nem quando estão num só enquadramento as pessoas estabelecem uma interação suficiente.

Em boa parte de sua longa duração, Não Me Toque soa como um documentário científico, com depoimentos tortuosamente colocados no limiar entre a ficção e a realidade. Christian, por exemplo, tem a coragem de expor-se, inclusive fazendo sexo com sua namorada diante de todos. Sem dúvida, é uma bem-vinda quebra de paradigma essa apresentação explícita, mas não dá liga enquanto fragmento de um painel repleto de personagens com entraves para manifestar-se fisicamente. Enquanto uns se reprimem sexualmente, outros fazem da libido sua linguagem principal. O filme se ressente da falta de dinamismo e manifesta um senso de autoimportância gritante, investindo da replicação de procedimentos prontamente desgastados. A duração não é justificada pelo trajeto caudaloso, visualmente estéril, como se um experimento social registrado pela câmera, no visor da qual surge espelhada a imagem da cineasta-ouvinte. A pose não se sustenta, ruindo tão logo percebamos a reiteração como vetusta, não estilosa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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