Crítica
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Sinopse
Os habitantes de uma ravina afastada na Califórnia, nos Estados Unidos, descobrem algo assustador vindo do céu.
Crítica
Terceiro longa-metragem de Jordan Peele como diretor, Não! Não Olhe! é uma história sobre discos voadores. E isso não é nenhum segredo, afinal, o trailer deixava isso bem explícito, enquanto que o próprio cineasta fez questão de repetir em entrevistas que suas referências foram títulos como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg, e Sinais (2002), de M. Night Shyamalan, entre outros. Nestas histórias – e em tantas igualmente influenciadas por elas – o que se verifica é um impulso, quase uma vontade, em se aproximar dos extraterrestres e, de alguma forma, estabelecer um tipo de comunicação. Nessa abordagem mais recente, em certo momento o protagonista, vivido por Daniel Kaluuya, percebe a luz dos estábulos de sua fazenda se acenderem no meio da noite. Intrigado, vai investigar. Nada vê ao chegar, portanto, desliga o interruptor e se encaminha para a saída. Porém, antes de cruzar a porta, as luzes novamente são ligadas. Quando vira, lentamente algo passa a se movimentar em sua frente. É um ser estranho, não parecido com nada que já tenha visto. A curiosidade está com ele, mas até certo ponto. Indeciso entre se aproximar ou sair correndo, segue estático. Até que uma segunda criatura, igual à anterior, entrar em cena. Nesse ponto, a reação do rapaz será imediata. “Nope”, é o que exclama a si mesmo. “Nem pensar”, em bom português.
Ainda que tenha uma longa carreira como ator, tendo participado de séries como Fargo (2014) ou sucessos do cinema como Toy Story 4 (2019), Peele se consagrou mesmo foi atrás das câmeras. Após os bem-sucedidos Corra! (2017) – premiado com o Oscar de Melhor Roteiro Original – e Nós (2019) – que faturou nas bilheterias mais de dez vezes o valor do seu orçamento – com Não! Não Corra! ele se confirma como um autor de prestígio, do tipo cada vez mais raro que imprime uma marca específica em cada um dos seus trabalhos. Apesar de uma estrutura narrativa que, assim que limpa de todas as distrações – prólogo, flashbacks, capítulos – se mostra bastante simples e direta, fica claro ao espectador, desde o primeiro instante, estar aqui diante de mais uma obra do mesmo realizador dos projetos anteriores. Há uma familiaridade forte entre eles, e não apenas por questões óbvias, como oferecer o protagonismo de suas histórias a atores negros, mas também pelo apreço e aproximação ao gênero do suspense e do terror sobrenatural. Um movimento, no entanto, longe de ser gratuito. Cada passo nessa direção é bem pensado, e o resultado, também de acordo, é de alto impacto.
“Você sabia que a primeira imagem registrada em celuloide nos Estados Unidos é de um homem negro a cavalo?”. É assim que os irmãos OJ (Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer, de As Golpistas, 2019) iniciam sua apresentação. Os dois herdaram o negócio Haywood Hollywood Horses, ou seja, são criadores de cavalos e os alugam para aparecerem no cinema e televisão. Ainda estão se encontrando diante das novas responsabilidades, pois a morte do pai não apenas foi recente, mas também em uma condição, no mínimo, bizarra: ele foi vítima de uma moeda que caiu no céu. OJ estava por perto na ocasião, e por pouco não foi atingido por outros pequenos objetos, como chaves e isqueiros. O certo é que há algo muito estranho acima de suas cabeças. Essa certeza os leva a investir em câmeras de segurança, e assim entra em cena Angel (Brandon Perea, de The OA, 2016-2019), o técnico encarregado de instalar o novo equipamento e, uma vez ciente do que está acontecendo, ficará intrigado a ponto de não poder mais se afastar. Por fim, há também Antlers (o veterano Michael Wincott, que havia vivido um fotógrafo em O Escafandro e a Borboleta, 2007), um consagrado diretor de fotografia que os Haywood conheceram durante uma filmagem e a quem recorrem como última tentativa para conseguir capturar em imagem o que imaginam se esconder entre as nuvens.
Há um outro elemento, no entanto, que vai além da mera questão envolvendo caça-e-caçador. O grupo reunido por improviso sabe o que quer e sonha com coisas simples, como fama por conseguir o que mais ninguém acredita existir – provar a existência de seres de outro planeta – e a fortuna que será decorrente desse reconhecimento. Uma vez de posse de “uma tomada digna de ir ao programa da Oprah”, todos os problemas terão acabado (como o fato do empreendimento familiar não estar mais tendo o mesmo lucro de antes e as dívidas que tem se acumulado por causa disso). Mas há um incômodo que vai além. Afinal, quem poderia afirmar com segurança que uma forma de vida surgida em outro canto do universo viria até à Terra apenas para conversar – ou mesmo destruir? Não haveriam manifestações intermediárias – ou ainda mais primárias – nesse espectro de possibilidades? Essa questão é posta através de um caso que teria ficado famoso no mundo do entretenimento décadas antes. Durante a gravação de um episódio de uma sitcom sobre uma família e seu macaco adotivo, o chimpanzé teria simplesmente surtado e partido para o ataque, matando quase todo o resto do elenco. O único sobrevivente seria Jupe (Steven Yeun), que hoje, já adulto, ganha a vida fantasiado de cowboy e proprietário de um parque de diversões.
A razão e a lógica está a apenas um passo do instinto e da selvageria. Seja no céu ou na terra, homens e animais se comportam de modo similares desde que o mundo é mundo, assim como possuem suas particularidades – e seus pontos de quebra, no qual, a partir deles, nada mais faz sentido. Não! Não Olhe! sabe bem o quão perigoso pode ser o enfrentamento, a disposição para o embate, e o alto preço a ser pago quando a insensatez e a falta de cautela terminam por falar mais alto. O sisudo Kaluuya e a expansiva Palmer se mostram afiados como duas figuras antagônicas, mas complementares, fundamentais um ao outro quando obrigados a lidar com o extraordinário. Mas isso, obviamente, de nada serviria não fosse a mão precisa de Peele, não apenas perspicaz em ir além do óbvio através de uma história capaz de se apropriar de signos já muito explorados e aos mesmos oferecer uma nova roupagem, como também criativo o bastante para não se contentar com uma perigosa zona de conforto na qual poderia tranquilamente ter se acomodado, colocando em evidência o desafio ao qual o artista não apenas sobrevive, mas se mantém motivado a cruzar fronteiras e convenções.
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