Crítica
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Sinopse
Casal que tem a sorte de morar numa comunidade planejada, Alice e Jack fazem parte de um projeto experimental em que todos parecem perfeitos e sem preocupações. No entanto, a verdade surge muito mais sombria e densa no horizonte. Alice começa a questionar veementemente as razões por trás do Projeto Victory.
Crítica
Logo numa das primeiras cenas de Não Se Preocupe, Querida, Alice, a protagonista vivida por Florence Pugh, está limpando a casa, enquanto na televisão é exibido o desenho animado A Dança dos Esqueletos (1929), curta produzido por Walt Disney que fez parte da série Silly Symphony, ou seja, “Sinfonia Tola”. Para os mais antenados, eis um indício que aponta para duas possíveis leituras: a proximidade da morte – e uma consequente insurreição diante desse destino – e o fato de que alguém em cena estaria sendo feito de bobo (no caso, a própria personagem presente na tela no momento em questão). Elementos como esse, desde os mais discretos, até outros um tanto evidentes (como os muitos flashbacks e fantasias que se misturam com a percepção dela frente aos eventos diários), podem ser encarados como ‘pistas’ que, se seguidas com atenção, apontariam para um entendimento do todo, abraçando, assim, seus mistérios e segredos. É de se lamentar, entretanto, que a diretora Olivia Wilde passe mais tempo organizando o conjunto, e menos dando o devido cuidado ao seu desdobramento e inevitável desfecho.
Há algo de errado, portanto, na vida aparentemente perfeita que Alice leva ao lado do marido, Jack (o astro pop Harry Styles), e seus vizinhos em um típico bairro do subúrbio, no qual as casas são todas iguais, os homens saem todos os dias pela manhã, no mesmo horário, para trabalhar, enquanto as mulheres ficam encarregadas pelas lidas domésticas, com tardes preguiçosas tomando sol na piscina ou cuidando das crianças. Um sentimento de inadequação perpassa cada um desses encontros, e tanto a trilha sonora (conduzida com precisão por John Powell, que havia trabalhado com níveis semelhantes de tensão na saga Jason Bourne) quanto a fotografia (que vai do sufocante ao abstrato pelas imagens construídas por Matthew Libatique, indicado ao Oscar por Cisne Negro, 2010, no qual também percorria sensações similares de paranoia e desespero) são ferramentas poderosas nas mãos de uma cineasta que tem pela frente um desafio mais audacioso do que parece ser o seu desprendimento. E é por vezes se mostrar atada às velhas amarras que revela incapacidade de partir em um mergulho mais profundo e transformador.
Barbra Streisand, Diana Ross e Lady Gaga são apenas algumas das artistas que deram seus primeiros passos no mundo da música, mas posteriormente mostraram um talento à altura também como atrizes. Entre os homens, tal simetria raramente se confirma. Nomes como Elvis Presley, Sting e Justin Timberlake tiveram seus momentos de maior ou menor risco, mas não a ponto de fazer da atuação uma atividade séria. Parece ser o caso de Styles, que se mostra frágil na maior parte do tempo, ainda que os demais ao seu redor o tratem como alguém passível de admiração e imenso potencial. No entanto, quando essa debilidade por fim se faz necessária, apenas consegue emulá-la por meio de uma caracterização externa (barba por fazer, roupas desleixadas). Vistos em lado a lado, Florence Pugh é uma verdadeira avalanche, concentrando todos os olhares cada vez que o casal surge em cena. São seus medos e suspeitas que movimentam uma trama que promete muito, mas se resigna a entregar apenas o mais imediato e previsível.
Este é um daqueles filmes no qual uma figura feminina central sofre e é maltratada do início ao (quase) fim, vista como alucinada ou insana por seus pares masculinos – e até mesmo por outras como ela – na maior parte do tempo, para que apenas nos instantes finais suas suspeitas se confirmem e possa, então, prosseguir em uma aguardada volta por cima. Machismo e misoginia seriam acusações fáceis diante desse cenário, mas tais percepções se confundem quando se observa que Não Se Preocupe, Querida é uma realização majoritariamente conduzida por mulheres, feito por uma diretora, a partir de uma história criada uma roteirista (Katie Silberman, indicada ao Bafta por Fora de Série, 2019) e produzida por nomes como Wilde, Silberman e Catherine Hardwicke (diretora de Aos Treze, 2003). Por mais que na sua metade inicial a trama se sustente apenas em suposições e desconfianças, é do meio em diante, quando Pugh é colocada em rota de colisão com o enigmático empresário interpretado por Chris Pine, que as chamas enfim se acendem. As faíscas entre eles são inebriantes, e o embate que conduzem na mesa do jantar é o melhor momento até então. Mas, por mais que as apostas se elevem, o que vem a seguir não consegue dar alicerce a tantas promessas. E assim, uma conclusão apressada ganha espaço, repetindo contextos que vem se mostrando frequentes no cenário pop atual, indo desde Matrix (1999) até WandaVision (2021).
Olivia Wilde sempre foi uma atriz, no máximo, mediana (seu papel de maior destaque segue sendo a participação na série House, 2007-2012). Justamente por isso, ao estrear atrás das câmeras com a citada Fora de Série (2019) gerou uma grata surpresa – de onde nada se espera, qualquer bom resultado já causa espanto. Há uma grande distância, mesmo assim, entre uma comédia adolescente sobre duas jovens querendo aproveitar a última noite antes da formatura e um thriller psicológico (e de aspirações feministas, por mais que se confirmem apenas ao final) que discute temas como realidades virtuais, metaverso e patriarcado. Ao dar um passo maior do que aparenta estar preparada, a realizadora-revelação, mesmo que não tropece por completo – e isso em grande parte pela escolha dos talentos que se cercou – acaba conduzindo um ou outro deslize que apenas experiência e uma mão segura poderiam ter evitado. Afinal, por mais aterrorizante e invasivo que seja o cenário descrito, o mesmo se mostra amparado por uma realidade tão concreta e perigosamente próxima que chega a ser atordoante. E quando o factível invade – e supera – a fantasia, eis, portanto, a verdadeira ameaça.
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