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Sinopse
Nas Terras Perdidas mostra uma rainha enviando a poderosa e temida feiticeira Gray Alys para um enigmático local em busca de um poder mágico capaz de transformar uma pessoa em lobisomem. Ao lado do misterioso caçador Boyce, que a acompanha na luta contra criaturas sombrias e inimigos implacáveis, Gray Alys embarca em uma jornada por um mundo sombrio, repleto de mistérios e perigos. Porém, ela guarda um segredo. Estrelado por Milla Jovovich e Dave Bautista.
Crítica
Às vezes o que alguém precisa é de bons amigos. Não dos que fazem vista grossa para os defeitos e as bobagens ditas, mas daqueles que contam verdades dolorosas porque se importam. Paul W. S. Anderson talvez tenha poucas pessoas ao redor com esse tipo de perfil/atitude, pois segue criando filmes horríveis e ainda assim ganha sinal verde para continuar fazendo mais. Dessa vez ele adapta às telonas um conto de George R. R. Martin, o autor de Game of Thrones. Nas Terras Perdidas se passa num mundo distópico onde Gray (Milla Jovovich) é uma bruxa perseguida pela instituição teocrática chamada Igreja e está inserida no reino de um monarca agonizante. Gray é chamada de herege, seu sacrifício é gritado como necessário para purificar o mundo, mas ela não está disposta a morrer. Contratada pela rainha local para capturar os poderes de um ser humano capaz de se transformar em lobo, ela começa uma jornada pelas chamadas Terras Perdidas na companhia de um caçador de recompensas que parece ter saído ora do Velho Oeste, ora de uma academia de ginástica especial para marombeiros. Boyce (Dave Bautista) é o típico lobo solitário que conhece a realidade pós-apocalíptica como ninguém, ou seja, o guia perfeito para a bruxa em missão especial à rainha, mas perseguida por membros da Igreja. Pena que no meio do caminho tinha um Paul W. S. Anderson...tinha Paul W. S. Anderson no meio do caminho.
Nas Terras Perdidas é um amontoado de erros crassos. A começar pelo desenho do mundo futurista e decadente. Quem dera o problema fosse apenas a reciclagem de cenários como os da saga Mad Max – os capangas da Igreja são curiosamente muito semelhantes aos Garotos de Guerra de Mad Max: Estrada da Fúria (2015). Quem dera o ruído nessas imagens estéreis fosse a semelhança derivativa com outras produções pós-apocalípticas melhores. A falha aqui é muito mais enraizada, conceitual. O diretor de fotografia Glen MacPherson cria quadros num tom sépia que pretendem sugerir a abrasividade da terra de areia e oxidação, apostando às vezes num breu quase completo e noutras numa luz estouradíssima e feia. Nada disso funciona, inclusive por Paul W. S. Anderson resolve trabalhar com poucos efeitos práticos e transferir a um CGI de má qualidade a tarefa de apresentar visualmente todos os cenários. Claro que o orçamento de cerca de US$ 55 milhões é insuficiente para as demandas de uma produção com esse tamanho e complexidade. No entanto, em vez de o diretor trabalhar criativamente com o montante à disposição, quem sabe valorizando certas texturas e os dilemas morais dos personagens, ele prefere criar um horror de espetáculo grandiloquente no qual tudo parece mais artificial do que deveria. Mas, de novo, quem dera o problema fosse apenas esse mau gosto visual de Anderson.
Milla Jovovich tenta desesperadamente, há anos, ser reconhecida como uma heroína de ação. Ela poderia ser a amiga sincera que Paul W. S. Anderson precisa, afinal de contas os dois são casados há bastante tempo. No entanto, a atriz deve acreditar na visão do marido, uma vez que continua colaborando com ele e sendo elevada ao protagonismo de filmes ruins com pouca margem para a demonstração de qualquer talento para a interpretação. Em Nas Terras Perdidas, Jovovich começa como a típica personagem durona que tem representado nos últimos anos, mas a personalidade de Gray é gradativamente soterrada pelo arremedo de intrigas palacianas paralelas à jornada com o caçador de recompensas e pela própria interação com Boyce. Como o roteiro assinado por Constantin Werner, Paul W. S. Anderson e Constantin Werner é apressado, não temos tempo para nos afeiçoar à bruxa e nem para compreender um pouco suas motivações – aliás, nem sequer ela é desenvolvida como um mistério instigante. De protagonista, Gray passa a ser a escudeira do personagem genérico de Dave Bautista durante uma perambulação vazia, sem carga dramática, sem traços de suspense, sem aproveitamento do subtexto político, em suma, uma progressão marcada pelo suicídio constante dos potenciais. As intrigas políticas nas quais esses andarilhos são envolvidos são tão irrelevantes quanto as motivações de cada pessoa.
Nas Terras Perdidas não destoa dos demais filmes de Paul W. S. Anderson, pelo menos não da maioria. No entanto, ele pode ser visto como passo à frente (em direção ao abismo) por apostar de modo ainda mais confiante num artificialismo que preenche as lacunas deixadas por um orçamento não condizente com a dimensão da trama a ser contada. Nada tem sustentação no enredo, os personagens vêm e vão impunemente, os discursos caem por terra a cada nova cena de ação incompreensível – por ser fotografada num breu pouco expressivo e montada como se a tônica fosse evitar que o espectador enxergue os problemas de execução. Os roteiristas guardam uma reviravolta inteligente para o fim, mas quando ela aparece já é tarde demais. Até ali a jornada de Gray e Boyce é tão desinteressante e enfadonha, tão visualmente aborrecida e dramaticamente ineficaz, que pouco importa o que estava realmente nos planos de quem. Os pouco mais de 100 minutos são uma verdadeira prova de resistência, pois nada que acontece neles é impactante, emocionante ou estimulante ao ponto de nos importamos realmente com as conspirações, o destino dos sobreviventes e mesmo com a possibilidade da revolução. Paul W. S. Anderson está precisando de amigos, de gente com sensibilidade o suficiente para dizer a ele que sua abordagem estético-narrativa é ineficaz, sem alma e com uma pretensão desmedida.
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