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Crítica


7

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5 votos 7.6

Onde Assistir

Sinopse

Quatro presidiários aguardam ansiosamente a decisão sobre o pedido de indulto para que possam celebrar Nossa Senhora de Nazaré numa das maiores festividades católicas do mundo.

Crítica

O título, o cartaz e as imagens de divulgação nos preparam para uma experiência muito diferente daquela oferecida pelo documentário. Tanto o encarceramento quanto a realização do Círio de Nazaré, em Belém, sugerem sequências de aglomeração. Embora as multidões do evento religioso apareçam nas impressionantes cenas de abertura – ainda mais potentes quando vistas em meio à pandemia de Covid-19 -, a cerimônia se torna pano de fundo, um horizonte de liberdade aos quais os personagens aspiram. Em paralelo, as sequências nas prisões, ocupando a maior parte da narrativa, privilegiam os personagens solitários dentro de suas celas, silenciosos nos pátios ou entoando alguma canção pelos cantos. As críticas à criminalização da pobreza, às injustiças do sistema penal e à superpopulação carcerária se fazem presentes, porém tampouco tomam a frente da narrativa. O diretor Belisário Franca encerra a Trilogia do Silenciamento (iniciada por Menino 23, 2016, e Soldados do Araguaia, 2017) com uma obra melancólica. Ao invés da imersão num cotidiano opressivo, deparamo-nos com a solidão dos quatro protagonistas.

Em consequência, o aprisionamento adquire uma abordagem mais psicológica do que sociológica. Estatísticas e dados surgem apenas nos letreiros finais, enquanto o filme privilegia os sentimentos que atravessam estas pessoas. O que representaria a possibilidade do indulto? Por que fogem, ou por que retornam à penitenciária? O espectador descobrirá pouco sobre as amizades de cela, o apoio entre mulheres e homens encarcerados, ou ainda as violências físicas e sexuais sofridas naquele espaço. Em Nazinha Olhai por Nós (2020), a prisão se revela um ambiente estável, desprovido da tensão comum ao cinema policial e de suspense. A diretora do centro de detenção de Ananindeua assume a postura de mãe carinhosa com as detentas (em frente às câmeras, pelo menos), enquanto um dos personagens reflete sobre o fato de “sempre estarmos presos” na vida, seja ao trabalho, à família, ou ainda aos muros e grades de nossas propriedades. A instituição de Ananindeua foi acusada de maus-tratos e tortura nos últimos anos, porém nenhum desses fatores chega ao filme. Franca abre mão de reviravoltas narrativas para preservar a sensação de espera: os protagonistas aguardam que o tempo passe e sua liberdade condicional seja aprovada, enquanto os familiares esperam por eles. A lenta passagem do tempo domina a narrativa: neste projeto, fala-se menos do que se observa.

A religiosidade ocupa um papel importante para além da óbvia presença de Nossa Senhora de Nazaré e das festas do Círio. A redenção pelo cristianismo se torna a única possibilidade de reinserção oferecida nestes espaços, onde aparentemente não há formações profissionais nem atividades paralelas. Enquanto padres pregam a palavra de Deus, a diretoria efetua rezas coletivas pela manhã, e a reconstrução de si se coincide com a incorporação da religiosidade – em outras palavras, o cristianismo assume o monopólio da moral. O projeto encontra na prisão e no Círio duas formas análogas de penitência, duas entregas pessoais a um ser superior tão bondoso quanto punitivo. Os participantes da procissão arrastam-se de joelhos e se espremem pelas ruas sob o forte calor enquanto os presidiários se apertam em espaços pequenos. Ao optar pela conversa com pessoas presas há tempo considerável, Franca obtém nas conversas um teor de distanciamento. A esperada revolta contra o sistema (uma personagem é injustamente encarcerada durante anos) se substitui pela tristeza generalizada com sua própria condição. Outro protagonista estima se encontrar em situação invejável durante a quarta pena consecutiva, pois colegas com trajetórias semelhantes não sobreviveram.

Esteticamente, o documentário se revela o mais bem-sucedido da trilogia. A captação e mixagem de som estabelecem precioso senso de prioridades entre os ruídos, sabendo quando valorizar o silêncio e como alinhar as vozes dos protagonistas entre os coadjuvantes. Enquanto isso, a direção de fotografia trabalha muito bem as luzes naturais, inclusive nos escurecidos espaços internos. A direção assume sua presença “intrusiva” quando a irmã de um detento confessa a estranheza de ser seguida pela equipe de filmagem. Algumas cenas com a câmera na mão soam mais bruscas do que outras: o acompanhamento da diretora pelos corredores treme em excesso e hesita quanto ao enquadramento, já a longa caminhada pelas alas do presídio masculino são impecavelmente captadas. Mesmo assim, valoriza-se a luz taciturna, os detalhes de ventiladores, papéis de parede, grades, muros corroídos. Franca observa estes espaços sem a surpresa de quem estabelece contato pela primeira vez, porém sem normalizar estas condições de vida. Ele expressa a indignação silenciosa pela maneira como os presídios são representados, na condição de espaços de vingança da sociedade ao invés de reinserção social (nas palavras da diretora do centro de detenção).

Ao final, Nazinha Olhai por Nós se traduz numa investigação competente e bem produzida sobre o sistema carcerário, porém inesperadamente fria. O filme se esforça em evitar qualquer traço de sentimentalismo: uma morte brutal e a confirmação da inocência da personagem presa são mencionadas com discrição. O relacionamento abusivo vivido por Raíssa e a história amorosa de Neuza, responsável por sua prisão, recebem alusões ínfimas. O cineasta procura revelar os sentimentos destas pessoas sem expor suas histórias para além do que desejam mostrar por iniciativa própria. Assim, demonstra pudor e respeito pelas instituições (igreja, prisão, Estado), evitando sublinhar a culpabilidade dos presos e do sistema penal. A abordagem plácida resulta numa precaução do discurso, porém retira a pungência esperada da crítica social. De qualquer modo, preserva o olhar empático das produções anteriores do autor, desta vez em chave ainda mais elegante e sisuda. Não por acaso, o aclamado clímax com os protagonistas no Círio jamais se produz, seja por questões narrativas explicadas rumo à conclusão, seja pela decisão de evitar catarses. Franca combina questões de encarceramento, gênero, raça e desigualdade social num conjunto tão admirável quanto ponderado.

Filme visto no 30º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, em dezembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
7
Alysson Oliveira
6
MÉDIA
6.5

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