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Sinopse

Por meio de imagens raras de arquivos, entrevistas e um vasto material iconográfico e de audiovisual, o documentário busca resgatar o papel do cineasta Neville D’Almeida. A obra passa pela era do Cinema Marginal até o presente, passando por seus grandes sucessos de bilheteria e seus problemas com a censura durante o regime militar. 

Crítica

A principal qualidade de Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos é a capacidade de (re)acender o interesse pela filmografia do mineiro Neville D’Almeida. Isso se dá pelo fato do diretor Mario Abbade restituir ao personagem o lugar que lhe é devido na historiografia do cinema brasileiro, um espaço bastante singular, destinado aos criadores iconoclastas não conformados com o bom-mocismo característico das obras que fazem concessões para vingar nas bilheterias. Aliás, o autor de filmes seminais e combativos, tais como Jardim de Guerra (1970), é lido como uma espécie de símbolo de resiliência em tempos obscuros para a arte. Ninguém teve tantas realizações embargadas pela censura na época da Ditadura Civil-militar como ele. Algumas dessas bem-vindas ousadias audiovisuais foram inapelavelmente perdidas, algo que o documentário observa com um misto de resignação, indignação e alerta. É particularmente bem-sucedida a metade inicial, com as apresentações desses longas ocorrendo a partir de seus respectivos encaixes nas temáticas privilegiadas.

De maneira formalmente parecida, há a exploração das intempéries político-sociais brasileiras nos anos de chumbo a partir da perspectiva de Neville D’Almeida. É bastante sintomático o resgate de um julgamento aberto em Brasília, em que o censor de plantão evoca a soberania da família e dos bons costumes para garantir a interdição ou a mutilação de uma história que aborda o amor livre. O protagonista faz, então, um verdadeiro manifesto em defesa da liberdade artística, automaticamente se contrapondo ao discurso conservador do qual foi vítima contumaz. Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos entremeia essas observações com depoimentos de colaboradores, amigos e admiradores do cineasta, alguns deles testemunhas oculares de batalhas de bastidores e de filmagens absolutamente particulares. O homem que aparece em cena para falar de si, em sua casa na idílica Ilha da Gigoia, no Rio de Janeiro, é, antes de qualquer coisa, ciente da condição de personagem. Fica evidente sua natureza performática, ressaltada em instantes diversos ao longo da narrativa.

Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos aborda causos impagáveis, como as lendas em torno de Rio Babilônia (1982), com declarações reveladoras, sobretudo as de Joel Barcelos, Denise Dumont e Pedro Aguinaga, partícipes da famigerada cena do ménage à trois na piscina. Mario Abbade confere terreno generoso à instauração de momentos bem-humorados, condizentes com a essência do protagonista. Nesse sentido, a montagem de Christian Caselli, Paulo Henrique Fontenelle e Fernanda Teixeira é essencial, principalmente ao justapor comentários ora complementares, ora contraditórios, criando uma sensação de porosidade e, por conseguinte, privilegiando as versões em detrimento de supostas verdades. O conjunto pende ao convencional, contudo não resvalando no banal, ao deter-se na relevância (e nos boatos) dos controversos Rio Babilônia, Matou a Família e Foi ao Cinema (1991) e Navalha na Carne (1997).

Lançando mão de associações breves de Neville D’Almeida com o Coronel Kurtz, personagem de Marlon Brando em Apocalypse Now (1979), Mario Abbade ensaia a criação de uma camada lúdica que poderia ser mais bem explorada. Apesar disso, Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos é um retrato acurado dessa figura essencial à melhor compreensão de determinadas engrenagens do cinema brasileiro. No seu percurso, há espaço à leitura da amizade com Helio Oiticica, à discussão concernente à nudez feminina na tela – frequência por muitos entendida como indício de objetificação, mas para o realizador uma demonstração da emancipação feminina –, e a sintomas de vaidade de Neville. A conturbada relação com a crítica especializada também é apresentada e devidamente problematizada. Personalidades como Maria Gladys, Cacá Diegues, Regina Casé, Lima Duarte, entre outros, discorrem a respeito desse homem sui generis, sempre o atrelando à sua obra consistente, cuja densidade passa pela forte presença de uma substância puramente libertária.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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