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Sinopse

Daniel é um famoso ator alemão, prestes a conseguir seu primeiro papel numa produção de super-heróis em Hollywood. Antes de viajar para o aguardado teste de elenco, ele frequenta um bar de Berlim onde Bruno, um fã, o reconhece. No entanto, o sujeito passa a confrontá-lo por seus filmes ruins e sua vida de vaidades. Aos poucos, o estranho cliente do bar revela possuir informações secretas sobre Daniel. Está lançado o jogo de gato e rato entre os dois homens.

Crítica

Em sua primeira experiência como diretor de cinema, Daniel Brühl oferece a si próprio o papel principal de um ator chamado Daniel. Ele interpreta, veja só, um artista famoso que já trabalhou com Wes Anderson e está prestes a conseguir seu primeiro contrato numa produção de super-heróis em Hollywood. Há duas possibilidades de leitura evidentes a partir da curiosa premissa: primeiro, interpretá-la enquanto exercício de vaidade, um veículo para o artista chamar atenção para si e sua carreira. Segundo, a fama pode ser explorada numa paródia mordaz da indústria audiovisual. Quando Brühl interpreta uma versão de si mesmo, na pele de um milionário egocêntrico, ele estaria criticando esta imagem ou sendo autocondescendente? Provavelmente, um pouco dos dois. Next Door (2021) evita se aprofundar em qualquer um destes caminhos, servindo enquanto brincadeira despretensiosa sobre a masculinidade frágil tanto de anônimos quanto de celebridades. Em sua premissa, o herói é provocado até o ponto da explosão: como destruir um ator tão fortalecido pelo próprio ego, e seguro de ser amado por todos?

A princípio, o projeto soa adaptado de alguma peça de teatro, não apenas por se passar quase inteiramente dentro de um bar em Berlim, nem por possuir basicamente dois ou três personagens em cena. A impressão teatral decorre da necessidade do diálogo para fazer a narrativa caminhar, além do aspecto farsesco típico das comédias de boulevard. Daniel é confrontado por um cliente do estabelecimento, Bruno (Peter Kurth), homem amargurado que aproveita a oportunidade de dizer a um ator famoso o quanto menospreza o seu modo de vida. Bruno preserva a fala calma e a expressão pacífica enquanto ataca, já Daniel se defende com frases prontas e falsas tolerâncias. Este último representa o verniz de cordialidade necessário às relações sociais (“Bom, esta é a sua opinião e eu a respeito, mas...”), enquanto o cliente do bar expressa o ímpeto da violência tão comum em tempo de polarizações políticas e impossibilidade de conviver com a diferença. Aliás, uma das divergências entre ambos diz respeito à percepção de Berlim Oriental antes da queda do muro. Através do embate constante entre dois homens – um avançando, o outro se esquivando –, desenha-se uma coreografia eficaz, e também uma metáfora sobre o nosso esgarçado senso de coletividade.

Em paralelo, o roteiro dispara farpas à indústria do entretenimento: filmes de super-herói, com seus diálogos explicativos, são levados ao ridículo pela voz “séria” de Daniel, fazendo a sua melhor versão do Batman de Christian Bale. Parodiam-se as revistas de fofocas sobre as estrelas, a vaidade ferida do ator ao encontrar duas pessoas que o desconhecem e o elitismo do homem “internacional”, capaz de falar diversas línguas e telefonar para os artistas mais famosos do mundo. Evidentemente, o projeto não prega a subversão de nenhum destes aspectos, contentando-se em constatar um mundo de excessos. Aos poucos, Bruno disseca cada ferida do adversário: os fracassos de bilheteria, as críticas negativas, a condição de mau marido, mau pai, patrão negligente da empregada doméstica e cliente pouco cortês com a dona do bar. Por um lado, torna-se conveniente demais que este sujeito possua tantas informações danosas a respeito de Daniel, indo da vida íntima às movimentações bancárias. O texto procura justificativas mais ou menos verossímeis a estes dados, ainda que o acúmulo se transforme em mera conveniência do texto para condensar a adversidade num personagem só.

Por outro lado, a situação progressivamente absurda dilui o aspecto de realidade deste conto sádico. Next Door se torna uma “descida aos infernos” para o personagem, espécie de purgatório onde será confrontado por todos os seus pecados. O fato de a investigação provir de um homem desconhecido, sem poder nem fama, funciona enquanto inversão de papéis: na contemporaneidade, são os fãs que determinam a vida de seus ídolos. Brühl explora ao máximo a artificialidade dos filmes de clausura onde os personagens podem sair do espaço de conflito se o desejarem, porém são impelidos a permanecerem. Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966) e Deus da Carnificina (2011) seriam bons exemplos: embora atacados, as personagens não conseguem abandonar a disputa. Daniel pisa fora do bar, apenas para ser levado de volta a este espaço três ou quatro vezes diferentes. A impressão de inferno se encontra na repetição cíclica: quando pensamos que o personagem já se afundou o suficiente, ele retorna para uma nova tentativa de imposição contra o inimigo, e uma nova derrota. De certo modo, o diretor constrói um filme de boxe no qual o franco favorito se converte no azarão assim que pisa no ringue. O espectador descobre, por sua vez, a orquestração prévia deste encontro: as cartas estavam marcadas desde o princípio. A narrativa é concebida para Daniel, e mais do que isso: para vê-lo cair.

Em termos de construção imagética, o cineasta oferece um resultado dinâmico no que diz respeito ao posicionamento de câmera, o ritmo das cenas e o encadeamento narrativo. O projeto se revela tão corrosivo nos diálogos quanto contido nas ambições de linguagem: ele se contenta em oferecer um cenário apropriado para os personagens se digladiem sem interferências. Os atores se divertem bastante com a vertente metalinguística (durante a leitura de um roteiro, Brühl finge atuar de modo maneirista, enquanto Kurth finge ser mau ator). No papel da dona do bar, Rike Eckermann fornece ótimo contraponto aos dois homens enquanto observadora silenciosa da batalha alheia (representando, deste modo, o olhar do espectador). A possível transformação da farsa num suspense psicológico rumo ao final soa implausível dentro daquele contexto, porém o roteiro testa seus próprios limites o tempo inteiro. Se os conflitos podem ser cada vez mais fortes, quando parar? Onde estabelecer a explosão capaz de encerrar a luta? É possível que o filme nos diga pouco sobre os verdadeiros percalços e vaidades do mundo do espetáculo. No entanto, funciona enquanto divertido exercício de ridicularização da masculinidade.

Filme visto online no 71º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em março de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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