Crítica


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Sinopse

A história de Niède Guidon, arqueóloga brasileira mundialmente reconhecida por seu trabalho de preservação na Serra da Capivara, no Piauí. Depoimentos da própria Guidon relembram sua vida pessoal e sua frutífera carreira.

Crítica

Internacionalmente reconhecida por seu trabalho de pesquisa – com a elaboração da teoria de que o povoamento do continente americano teria ocorrido milhares de anos antes do que se acreditava – e luta pela preservação do patrimônio pré-histórico brasileiro, que levou, entre outras coisas, à criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, a arqueóloga Niède Guidon tem sua trajetória recontada neste Niède, documentário do diretor Tiago Tambelli. Um retrato dedicado especialmente ao espectro profissional da vida da cinebiografada, pois, ainda que inicialmente aborde de forma pontual alguns tópicos mais pessoais – como no depoimento de uma colega revelando traços de sua personalidade ou quando a própria Niède relembra o episódio que levou a seu exílio na França durante o período da Ditadura Militar no Brasil – é mesmo na dedicação ao ofício da arqueologia e no legado construído ao longo de quase cinco décadas de esforços que Tambelli concentra seu olhar.

Partindo da primeira expedição arqueológica ao Piauí, em 1973, parcialmente financiada pelo Museu de História Natural de Paris, o longa faz uso de um extenso material de arquivo dá época – entrelaçando-o habilmente às entrevistas e ao registro do cotidiano atual de Niède – que ilustra essa verdadeira aventura pela caatinga nordestina e as dificuldades enfrentadas ao longo do caminho, como o clima árido e a escassez de mantimentos. Esse importante vínculo com o meio natural também é expandido à relação com o meio social, à medida que o documentário mostra como a vida da população da região foi transformada pela chegada dos arqueólogos, algo explicitado nos depoimentos de diversos moradores locais que participaram ativamente da expedição, alguns chegando a se especializar, trabalhando ainda hoje nas escavações do Parque.

Esses temas contextuais mais amplos muitas vezes se impõem sobre o retrato particular, íntimo, fazendo com que a figura de Niède nem sempre se mostre, de fato, presente – ainda que se mantendo de alguma forma associada aos fatos narrados. Tal impressão se intensifica quando Tambelli busca abordagens que, mesmo potencialmente relevantes, parecem soltas dentro da narrativa. O principal exemplo talvez seja a passagem em que se promove o reencontro de três dos moradores da Serra da Capivara para recontar o episódio em que Niède foi ameaçada de morte por um pistoleiro local. Toda a gravidade criada em torno da sequência acaba se dissipando rapidamente, sem se desenvolver para algo mais aprofundado. O mesmo vale para as inserções de teor fantasioso, protagonizadas por uma figura feminina, espécie de guardiã ancestral da natureza – que surge já na sequência de abertura e retorna na cena envolvendo outro morador local, que desafia a entidade. Um elemento místico, folclórico – que remete à lenda da Caipora – representado com inegável apuro estético, mas que surge desconectado do realismo factual que predomina sobre o documentário.

A plasticidade das imagens, por sinal, é uma das características mais marcantes de Niède, com Tambelli sabendo explorar a beleza das paisagens naturais piauienses para capturar a magnitude das pinturas rupestres encontradas nas cavernas do Parque. Os planos meticulosos trabalham a dilatação do tempo, reforçada pela trilha sonora evocativa – trazendo à memória o trabalho de Werner Herzog em A Caverna dos Sonhos Esquecidos (2011). Essa manutenção de ritmo, contudo, nem sempre se apresenta equilibrada, sendo acelerada em demasia quando da exposição de grande quantidade de informações ou ainda deixando a sensação de morosidade na repetição de imagens do trabalho nos sítios arqueológicos. De qualquer forma, a reiteração da importância do trabalho se revela coerente com a proposta de Tambelli, de enfatizar a figura de Niède – destemida, obstinada, visionária – como indissociável de sua paixão pela profissão, cumprindo a missão de exaltar seu rico legado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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