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Crítica


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Sinopse

Em tempos de trabalhos e afetos precarizados, como ser bem-sucedido íntima e coletivamente?

Crítica

Há quem acredite que ser bem-sucedido é chegar à casa dos 40 anos com moradia própria, bem realizado na profissão e com a vida afetiva organizada. Os que não conseguem atingir alguma dessas expectativas são frequentemente tidos como fracassados, pessoas a serem ejetadas da sociedade imaginada. Mas, quem consegue ser esse “lírio do campo” perfeitamente satisfeito antes de completar quatro décadas? Martelada por manuais e outras falácias corporativas, essa idealização tende a gerar frustração. O protagonista de Nilson, Filho do Campeão deriva de uma longa tradição de personagens (geralmente masculinos) distantes do que deles geralmente se espera. Em certo sentido, se trata de uma versão rio-grandense e interiorana do alterego de Robert Crumb em Anti-Herói Americano, história em quadrinhos que ganhou versão cinematográfica em 2003. Frederico Vittola (do curta brasileiro) e Paul Giamatti (do filme norte-americano) têm em comum uma concepção física ensimesmada, fruto de um andar encurvado e do olhar que denota impotência/fragilidade.

Outra influência (meio óbvia) é o tempero agridoce dos trabalhos de Jorge Furtado, especialmente de O Homem que Copiava (2003). Óbvia, pois Furtado é consultor do roteiro do filme dirigido por Diego Tafarel. Assim como o personagem de Lázaro Ramos no longa do porto-alegrense reconhecido como um dos grandes realizadores gaúchos, o Nilson do curta desse jovem promissor santa-cruzense se sente estagnado num trabalho banal e é atravessado por angústias amorosas. Ele se veste de coruja para fazer panfletagem em frente a uma ótica pouco movimentada – sinal de que o lugar não é lá essas coisas e/ou de que ele não faz nem isso direito? Esse sujeito de cabelos claros e olhos perdidos em meio às frustrações acumuladas tem um amigo sem noção e uma ex-mulher que não quer saber de reaproximação. Além disso, sequer é capaz de tomar a iniciativa ao se interessar pela colega de ponto de ônibus. Se ele não fizer algo, vai ficar estagnado para sempre. Fato.

Está desenhado um sujeito passivo que caminha para se afundar na areia movediça, isso caso não entenda a necessidade de mudar. Diego Tafarel se aproveita bem da proximidade de Nilson com outros personagens parecidos, repetindo deles gestos e atitudes que facilitar a identificação por associação. Sua maneira de sintetizar um cotidiano repetitivo – mesmas interações, ambientes iguais, etc. – faz com que também rapidamente a atmosfera desapontamento profundo seja bem compreendida. Com o cenário posto adequadamente, o que fazer? Mostrar o personagem se rebelando violentamente contra esse sistema opressor? Mergulhá-lo na fossa até essa situação ficar insuportável? O cineasta prefere não apostar numa virada abrupta ou mesmo na expansão psicológica do personagem. Como se trata de um pequeno conto sobre a necessidade de ter uma nova postura para viver melhor, a curva dramática é orientada por esse ponto de virada. É a partir dele que Nilson pretende algo novo, ainda que o gatilho à transformação seja uma coincidência conveniente.

O evento que permite ao protagonista romper com a vida antiga carrega previsibilidade e sobriedade. Era preciso ver que o outro lado efetivamente seguiu adiante para cair em si. Nesse sentido, Diego Tafarel coloca todo o peso do “fracasso” do protagonista na infelicidade amorosa. Sem engrossar a então fina membrana nonsense que permeia sutilmente o curta-metragem, ele continua apostando numa observação calma do sujeito que entende a necessidade de uma segunda (terceira? quarta?) chance. Nilson, Filho do Campeão não abraça intensamente o absurdo para enfatizar a aleatoriedade da experiência nem sempre capaz de suprir as expectativas do entorno. Mas há uma sinalização disso, vide a coruja tatuada no braço do homem que age no lugar do protagonista, indício de um flerte com a ironia do destino ou algo que o valha. O resultado é pautado pela ideia de que é preciso agir para ser feliz, mesmo que nem assim sejam garantidos o êxito e a satisfação.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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