Crítica
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Sinopse
Gabriela e Roberto são casados, pais de duas crianças, e apaixonados um pelo outro. No entanto, quando ele é roubado e sua construtora decreta falência, a insegurança financeira se transforma em um ciúmes doentio pela mulher, uma advogada de sucesso que acabou de ser convidada para ser sócia no escritório onde trabalha. Renato, o patrão dela, também é vítima da constante vigilância da esposa, Gioconda. Quando Gioconda e Roberto se encontram em uma festa, os dois compartilham seus medos em relação aos seus parceiros e a crença de que estão sendo traídos. Um sentimento que pode ter tido início em vidas passadas.
Crítica
Um velho ditado costumava pregar que: “política, religião e futebol são coisas que não se discutem: se respeitam”. Bom, se em relação ao esporte bretão, ao menos desde o fatídico 7 x 1 da Copa de 2014, muitos estão mais lamentando do que debatendo, o rumo dos embates proporcionados pelas campanhas políticas também andam em franca decadência, mostrando que é preciso, sim, “meter a colher”, ainda mais quando se trata de algo que diz respeito a tantos e tão pouco se sabe, e com propriedade. Mas no que abrange os aspectos da fé e da religiosidade de cada um, segue-se um misto entre imposição ou ignorância, como se uma pudesse ser melhor do que a outra, como se àquele que acredita coubesse também a tarefa de “salvar” os demais, convertendo-os em nome de sua causa. Ninguém é de Ninguém, longa de Wagner de Assis – talvez o mais abertamente religioso dos cineastas brasileiros contemporâneos – não esconde seu viés espírita, por mais que tente prolongar ao máximo sua incursão por estes temas. Como resultado, tem-se um filme em dois tomos, dividido pelo antes e o depois, dissimulado em seu início e mergulhado até as orelhas na parte final, crente de sua tarefa catequizadora. Assim, consegue apenas se mostrar relevante aos já iniciados, ao mesmo tempo em que afugenta os curiosos, seja pela frágil construção fílmica ou mesmo pelo exagerado – e simplista – discurso que defende.
O realizador responsável por Nosso Lar (2010) e Kardec (2019) recorre agora a um dos best sellers da escritora Zíbia Gasparetto, que afirmava não ser autora, mas apenas um meio para os romances que psicografava – ou seja, teria sido um canal para que determinado espírito se manifestasse através dos seus esforços. É compreensível a escolha. Mesmo não sendo esse o primeiro e nem o mais famoso de suas obras, Ninguém é de Ninguém discute um sentimento universal – o ciúmes e seus efeitos limitadores – em uma estrutura bastante simples (são praticamente quatro personagens na maior parte do tempo, indo a menos de dez se levar em conta até os coadjuvantes menos expressivos). Mas, principalmente, seu envolvimento com o caráter espírita se restringe à etapa das explicações: e, acredite, essas são muitas e em excesso, se desenrolando entre causas e consequências por mais que não fossem necessárias, respondendo até mesmo por reviravoltas pouco convincentes e destinos que soam mais como castigos do que efeitos de atos passados. É uma relação direta, envolvendo antes e depois sem muitas possibilidades de redenção. Tudo isso ilustrado por meio de efeitos especiais que, na melhor das hipóteses, se aproximam do constrangimento.
Gabriela (Carol Castro) e Roberto (Danton Mello) são casados e, aparentemente, felizes. Assim como Gioconda (Paloma Bernardi) e Renato (Rocco Pitanga). A estrutura, como dito antes, é básica: Renato e Gabriela são advogados e trabalham juntos. Naturalmente, como acontece em casos pouco elaborados, isso é suficiente para que seus companheiros desconfiem de infidelidades conjugais. Quando, em uma festa de trabalho, Gioconda e Roberto se conhecem, rapidamente se unem contra os parceiros, passando a vigiá-los e a reagir com eles por meio de agressividade e descontrole, mesmo que tanto ela quanto ele nunca tenham dado indícios que pudessem estimular tal comportamento. A questão é que ambos são desocupados: Roberto foi enganado por um sócio e a construtora que dirigia está falindo, ao passo que Gioconda é uma “esposa-troféu”, que passa os dias em casa sem nada para fazer. Com muito tempo livre em mãos, ambos decidem se ocupar imaginando o que os cônjuges estão fazendo cada vez que viram as costas. Ou seja: transferem aos outros aquilo que, provavelmente, eles próprios fariam caso as situações fossem inversas.
Acontece que Wagner de Assis – que além de dirigir, também assina o roteiro – não se mostra satisfeito com a mera gratuidade dos fatos colocados no centro da ação de sua obra. Assim, por um lado, passa a enfileirar comportamentos erráticos dos personagens, como se a tentativa daquele que é cobrado – tanto Gabriela, quanto Renato – em tentar compreender a aparente mudança de postura de seus pares – principalmente Roberto, mas também Gioconda – fosse quase uma demonstração de fraqueza, uma liberdade que termina por dar início a um relacionamento abusivo e, obviamente, tóxico. Só que nenhum personagem possui, visto a busca incessante do condutor desse trem desgovernado por justificativas constantes, o mais básico dos instintos, aquele que lhe deveria garantir o direito pelo livre arbítrio. Sim, não há resposta pelo que se faz, pois tudo ou é culpa de “espíritos possessores”, ou, como fica ainda pior à medida que a trama avança, reflexo de atitudes equivocadas e condenáveis de antepassados, gestos que teriam atravessado gerações e se manifestado no presente. Esquecendo, portanto, caso fosse seguida tal lógica, que os antigos também poderiam recorrer à mesma desculpa, ao afirmar que outros, ainda antes deles, é que poderiam ter dado início a esse círculo vicioso. E assim por diante. Um reducionismo, como se percebe, fácil de ser desmembrado.
Mas se essa conexão vinha do material literário – algo fácil de ser argumentado – é importante entender que se tratam de obras independentes e, como tais, possuem lógicas específicas e precisam funcionar sem o suporte uma da outra. Não se pode exigir que, para se assistir ao filme, uma leitura prévia se faça necessária. Mas é o que acontece, pois o cineasta não se mostra interessado em agregar novos pontos de vista a essa discussão, conformando-se em apenas se dirigir aos devotos. Dessa forma, até mesmo o trabalho do elenco se confirma vazio e carente de atenção. Danton Mello e Carol Castro vem passando por fases interessantes em suas carreiras cinematográficas, explorando oportunidades e investindo em uma saudável diversidade de tipos e conflitos. Ninguém é de Ninguém, porém, nada acrescenta a esse direcionamento, soando mais como uma concessão de olho no público, e menos no que tais figuras poderiam lhes representar enquanto exercício artístico. E assim, os dois resultam em exemplos de um conjunto que, com distanciamento e olhar crítico, poderia ter levantado uma discussão, no mínimo, relevante. Longe, infelizmente, do que acaba por se revelar em cena.
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