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Sinopse

Alex cursa o oitavo ano do colégio e precisa lidar com o irmão postiço e o padrasto, além de uma recém descoberta paixão por Jessica e o bullying que sofre dos colegas. Um dia, ganha um presente curioso do tio, que viajou à Tailândia: um boneco ninja com roupa xadrez. Quando descobre que o boneco está vivo, o brinquedo decide ajudá-lo a resolver seus problemas cotidianos.

Crítica

Quem é o público-alvo desta animação? Esta é uma questão central a se fazer diante da animação holandesa. Por um lado, os traços arredondados dos personagens, os temas juvenis (a primeira paixão, o medo do valentão da escola) e o aspecto inconsequente da aventura nos aproximam de uma produção voltada às crianças. Por outro lado, as cenas mostrando explicitamente drogas, alcoolismo, músicas sobre prostitutas e uma criança sendo espancada até a morte nos indicam que o público infantil estaria excluído desta sessão. Ora, para os adultos, o cenário multicolorido de facilidades e maniqueísmo não pareceria ingênuo demais?

Ninja Xadrez possui a saudável ambição de fugir às mensagens edificantes e ao caráter inofensivo da maioria das tramas voltadas aos pequenos – afinal, vale lembrar que os contos de fada de antigamente estavam repletos de sangue. No entanto, o diretor Anders Matthesen está menos preocupado em reatar com o aspecto perverso das cautionary tales (ou seja, fábulas de advertência) do que investir no domínio do politicamente incorreto, introduzindo piadas e personagens “inapropriados” (o tio bêbado e assediador, o empresário homicida, o próprio ninja desbocado) como meros recursos de risada fácil, sem recuo nem proposta de reflexão a respeito. O filme mede o impacto da cultura do século XXI (em especial, a geração YouTube) não para criticá-la, apenas para aumentar seu potencial de alcance com o público.

A intenção de abordar o trabalho escravo na Tailândia, o bullying, as famílias recompostas e a falência do empreendedorismo é bastante nobre, especialmente dentro do formato lúdico da animação. No entanto, o cineasta parte do olhar de constatação, ao invés da problematização – e uma bela prova disso está no fato que o ninja xadrez, feito pelas mãos de crianças exploradas, pretende se vingar do empresário que coordena a usina, mas jamais se preocupa em liberar os jovens trabalhadores. Em paralelo, ele pretende ajudar seu amigo humano a se livrar do bullying, mas não se importa que outras pessoas sofram a mesma perseguição. O ninja (com voz do próprio diretor) pretende inclusive matar um inocente para efetuar uma chantagem. O herói desta trama é um tipo amoral, que o filme não questiona, pelo contrário – rumo à conclusão, fica evidente a condescendência com este personagem para quem os fins justificam os meios.

Isso ocorre porque Ninja Xadrez efetua uma amálgama problemática entre justiça e vingança, ou ainda acerto de contas individual e reforma social. Tanto o boneco humanizado quanto o humano de fato cometem faltas morais para solucionar outros problemas morais – ou seja, cometem crimes considerados pequenos para punir outros crimes maiores, o que inclui comprar drogas e plantá-las na bagagem de um personagem, apenas para chamar a polícia contra o mesmo traficante de quem compraram o produto. Ambos os personagens manifestam um prazer evidente pela violência, como atesta a perversa cena de humilhação em público com um complexo mecanismo de tortura elaborado pelo adolescente. Embora o jovem Alex não defenda a morte de pessoas, ele não é contra puni-las para aplacar sua consciência. Quando inadvertidamente asfixia outro garoto, por influência do ninja xadrez, não fica difícil perceber que ambos funcionam como metades da mesma pessoa, ou seja, como o lado impulsivo e violento convivendo com o garoto passivo, que não aguenta mais ser maltratado. O filme sugere que “existe um ninja dentro de cada um de nós”, sem analisar a conotação potencialmente negativa desta ideia.

No que diz respeito à animação, o filme efetua a curiosa escolha de simplificar bastante os traços dos humanos enquanto apresenta nítido cuidado com os cenários e a luz. Os cabelos dos personagens são bastante realistas, já a boca, os olhos e os dedos são cartunescos, o que produz um resultado misto de ingenuidade e amadorismo voluntário. O filme possui plena consciência de suas escolhas estéticas e discursivas, e talvez seja exatamente esta consciência que torne tão problemática a confluência do infantil com o adulto, do mundo das drogas e da prostituição com os dilemas do primeiro amor. Entre amigo imaginário, justiceiro fora-da-lei e primo distante do “brinquedo assassino”, o ninja xadrez se torna uma figura muito mais problemática dos que os sorrisos e a trilha sonora brincalhona deixam perceber.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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