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Sinopse

A história de Nise da Silveira, médica psiquiatra que revolucionou os tratamentos de doenças da mente ao usar a arte como terapia no lugar de choques e lobotomias.

Crítica

Nise da Silveira foi uma das mais importantes médicas psiquiátricas do Brasil. Mas não por ter sido aluna de Carl Jung ou por ter inventando algum método revolucionário de tratamento. Muito pelo contrário, ela optou pelo básico, pelo mais simples e, como se percebeu, também mais eficiente. Ela focou no paciente – ou, como preferia chamar, o cliente (“afinal, estamos aqui para servi-los”, afirmava). Um pouco de sua história, da ressonância de seu trabalho e das muitas adversidades que encontrou nesse caminho compõem o norte trilhado por Nise: O Coração da Loucura, mais uma eficiente cinebiografia que serve tanto para oferecer luz a um nome nacional de destaque (porém um tanto esquecido) como também como exemplo da competência dos nossos realizadores em abordar um universo específico e torná-lo universal.

Outra obra recente que teve impacto semelhante, tanto em sua forma como no alcance, foi Trinta (2014), sobre o carnavalesco Joaosinho Trinta. Ou seja, pegou-se um instante da vida do homenageado e, através deste olhar, iluminou-se toda a trajetória daquela personalidade. Também fez algo similar Steven Spielberg no oscarizado Lincoln (2012). Pois agora chegou a vez de Roberto Berliner – ótimo documentarista, porém cuja única inserção na ficção até agora havia sido o problemático Julio Sumiu (2014) – que parte de um cenário muito pé no chão para desenhar uma realidade de sonhos concretos e fatos inspirados, na qual o possível só se torna verdade pela determinação de uma contra todos que lhe diziam não ser capaz, não ser viável, não ser normal. E do meio de um manicômio ela criou o espaço necessário para que surgissem as mais belas visões.

Quem encontra oportunidade de ouro para defender essa personagem de força singular é Gloria Pires, uma das maiores intérpretes do cenário cultural brasileiro. A Nise que constrói é uma mulher dura, porém não feita de pedra – se emociona, tem momentos íntimos e é alimentada por anseios e ambições. A diferença é que estas não são apenas para si, mas também para aqueles ao seu redor, como o marido (Fernando Eiras, em participação discreta, porém efetiva), os colegas da clínica (Roberta Rodrigues e Augusto Madeira, ele, principalmente, com mais oportunidades) e, por fim, aqueles entregues aos seus cuidados. São pessoas doentes, abandonadas pela família, amantes e amigos. E, principalmente, por aqueles que com eles deveriam se importar: seus médicos. Estamos no Rio de Janeiro do início dos anos 1950, quando técnicas como eletrochoque e lobotomia representavam mais uma possibilidade de cura do que uma selvageria contra o ser humano. Nise prefere seguir outro caminho, estendendo a mão, oferecendo carinho, buscando acalmá-los e entendê-los. Nascia a moderna terapia ocupacional.

Se Nise acreditava que vestir fantasias, incentivar relações afetivas e o convívio com animais poderiam resultar em melhoras, ao mesmo tempo desfrutava de crescente descrédito entre os poucos colegas. Seus esforços pareciam nulos, e ninguém lhe dava a devida atenção. Essa conjuntura começou a se inverter quando alcançaram telas e pinceis aos seus enfermos. As expressões desses, de brincadeira e passatempo, aos poucos começaram a ser vistas como arte. E quando Mario Pedrosa (Charles Fricks), um dos maiores críticos da época, tomou conhecimento desse trabalho, atestou: “este será o seu legado”.

Nise: O Coração da Loucura não é um filme fácil. Dói perceber como, há questão de pouco mais de meio século, o homem poderia ser tão vil consigo mesmo. Por outro lado, enobrece a alma conhecer a luta dessa mulher, que em nome de alguns poucos acabou salvando tantos. Há ainda a oportunidade de encontrar Gloria Pires em pleno estado de excelência, ao lado de talentos que merecem ser reconhecidos, como Claudio Jaborandy, Flavio Bauraqui, Fabricio Boliveira e Bernardo Marinho, entre outros. Conduzido com segurança e sem querer reinventar a roda, este é um filme que cumpre sua missão sem resvalar no óbvio e nem investir em emoções gratuitas ou exageradas. É história, mas também é cultura, lição de vida e exemplo de um mundo melhor. Foi ontem, pode ser hoje, e para quem acreditar, aqui está o caminho também para o amanhã.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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