Crítica
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Sinopse
Ao se mudar para uma aldeia, o artista Shen Jianhua influencia fortemente a vida de todos os moradores do local. Uma reflexão sobre a arte, cultura e o pensamento sobre a vida dos habitantes da aldeia.
Crítica
Passados os primeiros trinta minutos de No Alto da Montanha, nos quais o ritmo bastante peculiar, pois caudaloso, da narrativa proposta pelo cineasta Yang Zhang tende a gerar um desconforto – sobretudo aos essencialmente acostumados à celeridade que marca a produção cinematográfica contemporânea – e o filme se assenta como uma belíssima investigação da produção artística e humana. Permeada por eventos facultados a todos, como a dúvida diante dos compromissos e as mudanças advindas do acréscimo de novos componentes familiares, há a leitura do processo do pintor Shen Jianhua, cuja residência no alto da montanha nas circunvizinhanças do vilarejo à beira-mar serve de templo às idosas que aprendem a transferir suas inquietações às telas em branco. O realizador respeita a cadência de um cotidiano fertilizado por reflexões decorrentes dessa expressão plástica que se materializa aos poucos. Os quadros não retêm a vida, pelo contrário, pois, apesar da imobilidade, emanam uma pulsação vital também assinalada pela câmera.
No Alto da Montanha chama atenção, no início, pela beleza da composição imagética. Não são apenas os enquadramentos e a disposição dos elementos que criam a exuberância visual, mas a forma como as cores são trabalhadas. O método do realizador cria uma camada narrativa de fertilidade impressionante, por tornar indiscerníveis a ação e seu retrato, ou seja, os acontecimentos (manipulados pelo criador) e a captura desses fragmentos do real. Evocando com isso uma espécie de mistério, Yang Zhang embaça habilmente os tão desgastados limites entre documentário e ficção, mirando a prevalência de certa autenticidade, sem com isso privar-se de operações claramente derivadas da encenação. Exemplo disso os raccords que provocam a troca de perspectivas numa mesma cena, resultados desse jogo que permite à câmera uma liberdade sobressalente. Gradativamente, os personagens deixam à mostra as suas intimidades e os questionamentos mais urgentes.
Em dado instante, o mestre, encarado como um sujeito paciente e sábio, aquieta o discípulo ansioso pela necessidade de escolher entre a liberdade e a tradição. O artista diz que pintar também é algo feito no dia a dia, no acúmulo das vivências encarregadas de avolumar as experiências e suas potências à materialização. No Alto da Montanha, coerentemente, defende, sem quaisquer alardes, essa tese apresentada, não se colocando acima das vidas retidas durante seu decurso, mas valorizando-as como substrato valioso e indispensável. São particularmente bonitos os instantes em que as octogenárias reproduzem com seus pinceis dedicados alguma cena mirada anteriormente pelas lentes do cineasta. Sem um dado meramente explicativo, fica a bem-vinda hesitação diante dos mecanismos. Há o cinema, a pintura e as rotinas dos moradores, três instâncias passíveis de observação, cada qual tendo preservadas as suas idiossincrasias, sendo as três imiscuídas no âmago.
O tempo passa com fluidez em No Alto da Montanha. Yang Zhang sinaliza os meses se sucedendo pelo crescimento do menino que vimos nascer, por conta dos gatinhos que encorpam de um plano ao outro, das construções, as simbólicas e as literais, que evoluem durante a projeção. Talvez o feito mais bonito desse documentário seja a criação de um meio eficiente de transporte àquelas vivências, possibilitando ao espectador sentir-se íntimo de pessoas e espaços, ao ponto da plena ciência das portas pelas quais os felinos pedem comida e que tipo de intermitências provocam as inseguranças sublinhadas. Nesse aparentemente simples acompanhamento dos dias que transcorrem serenos na vila, há retratos de nascimentos, mortes, paixões, desgastes de relacionamentos duradouros e a própria melhora técnica das avós que, liricamente, são encarregadas de eternizar passagens a partir de suas percepções. O filme convida a desacelerar e a enxergar.
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