Crítica
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Sinopse
O ex-militar capelão Toller sofre pela perda do filho que ele encorajou a se alistar nas forças armadas. Outro desafio começa quando faz amizade com a jovem paroquiana Mary e o marido dela, um ambientalista radical. Toller logo descobre segredos escondidos de sua igreja com relação a empresas inescrupulosas.
Crítica
Antes de qualquer personagem de carne e osso aparecer em Fé Corrompida, a igreja que intitula originalmente este longa de Paul Schrader é apresentada com uma imponência simbólica por meio do travelling adotado. O vislumbre é um sintoma da visão arguta do cineasta, tido como um dos bastiões remanescentes da Nova Hollywood, movimento que renovou o cinema norte-americano nos anos 60/70. A trama não trata necessariamente de uma crise de fé individual, como poderia se prever adiantadamente. O reverendo Toller (Ethan Hawke), embora seja um sujeito castigado por toda sorte de traumas oriundos de tantas perdas do passado, não chega a questionar a existência de Deus ou a própria crença na magnitude de uma divindade onipresente, onipotente e onisciente. A turbulência é, antes de tudo, nutrida por um mundo que parece cada vez mais soterrado por outros valores, que não os puramente cristãos, especialmente os da comunhão.
Também pelo modo como questiona a ética do entorno, inclusive no que tange à subversão das escrituras e dos dogmas, Fé Corrompida pode ser tido como profundamente religioso. Paul Schrader utiliza duas fontes para costurar alguns elementos indispensáveis a essa pegada orientada pela carência de esperança, isso num cenário que parece apontar irremediavelmente ao colapso. O primeiro deles é Diário de um Padre (1951), de Robert Bresson, produção da qual se apropria tanto da ideia do pároco se valendo da escrita para confessar-se quanto do tom melancólico dessas pequenas observações que demarcam uma perspectiva assombrada. O segundo deles, e o mais acessado como inspiração, é Luz de Inverno (1963), integrante da chamada Trilogia do Silêncio de Ingmar Bergman. Dali o realizador tira a tragédia do paroquiano preocupado com os efeitos colaterais da contemporaneidade. Bergman teme a bomba atômica. Schrader mira o aquecimento global.
A relação com Luz de Inverno passa igualmente pela dinâmica ora afetuosa, ora agressiva com Esther (Victoria Hill), abertamente interessada no protagonista – é impressionante como até os visuais de Hill e Ingrid Thulin, a intérprete da coadjuvante equivalente no longa de Bergman, são praticamente idênticos. Mas, em Fé Corrompida o pastor está bem mais desgostoso com a sociedade do que exatamente com Deus. Ele é relegado a uma posição que beira o decorativo. Toller prega num espaço de obsolescência alusiva à pureza de sua fé. Assim como a igreja prestes a completar 250 anos, a despeito de sua importância histórica, é considerada um museu, local de visitação e venda de souvenir, ou seja, alijada de seu propósito essencial, ele é restringido pelo ponto ocupado a esparsas consultas espirituais, fora disso servindo apenas como executor dos serviços ordenados pela congregação. Nesse trajeto repleto de símbolos, a atualidade é confrontada veementemente.
A relação de Toller com Mary (Amanda Seyfried) estabelece uma dinâmica que permite ao pregador colocar em prática a vocação tolhida diariamente por um sem número de dúvidas e turbulências. Paul Schrader não se contenta em ser um observador passivo, pois transmite, a partir, e principalmente, da austeridade dos planos e da secura dos relacionamentos interpessoais um prisma desalentado que, expressivamente, se materializa nas ações e nas reações do protagonista excepcionalmente vivido por Ethan Hawke. O rigor da linguagem reflete, de certa forma, a ascese religiosa. O pastor é duro consigo mesmo nesse trajeto de busca pela verdade que lhe escapa aos olhos e à sensibilidade. A causa ambiental é disposta como indício forte da derrocada irremediável de uma sociedade cuja hipocrisia está bem representada pelo mecenas, o doador de montantes consideráveis para preservar a edificação tida como sagrada, mas que age corporativamente numa direção pouco samaritana.
Fé Corrompida demonstra consistentemente essa decadência global a partir da experiência de um homem que, apesar das marcas definidoras de sua introspecção, se vê impelido a lutar em prol da restauração de uma ordem distante das aparências. Verbos como "destruir” e “recriar” alimentam as noções metafóricas, sobretudo as atreladas à filosofia cristã que guia os passos do protagonista, e o planejamento das ações concretas (e extremas) que visam chacoalhar uma coletividade gradativamente rumo ao abismo sem dar-se conta ou, o que é pior, assim marchando deliberadamente. Paul Schrader utiliza novamente como núcleo uma pessoa atravessada brutalmente pela política militarista dos Estados Unidos. Em Táxi Driver (1976) e A Outra Face da Violência (1977), ambos escritos por ele, oficiais retornam do Vietnã com a saúde mental abalada. Aqui, ele observa a atrocidade pela experiência do pai que perdeu um filho à sanha estadunidense por guerra, mais uma vez mostrando a corrupção do homem pelo Estado. Dessa vez, nem Deus, ao menos não esse ressignificado pelo poder, dá conta da angústia que cresce como uma sombra de consequências praticamente incalculáveis.
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