Crítica
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Sinopse
De modo inesperado, um homem de boa índole tem um confronto mortal. Seus instintos entram em jogo para esconder os vestígios desse crime cometido em legítima defesa.
Crítica
Mais do que apresentar circunstâncias que levam alguém a cair no inferno, No Matarás parte da premissa de que antes da danação é preciso entender quem será tragado ao abismo. Por isso, o cineasta David Victori praticamente não abandona o seu desejo claro de manter o foco estreito na personalidade de Dani (Mario Casas). Por exemplo, quando o personagem desce momentaneamente para buscar cigarros enquanto cuida do pai convalescente, o plano-sequência não vale apenas pelo prodígio técnico, mas para sinalizar a prevalência do personagem, vide a música nos fones de ouvido sobressaindo aos ruídos da cidade e a pouca profundidade de campo. Ao visualmente deixar nítida apenas uma pequena área ao redor do sujeito ensimesmado, o realizador assina uma espécie de carta de intenções, propondo que preservemos nosso olhar nesse sujeito. Adiante, numa dinâmica com possíveis tintas psicanalíticas, também é menos importante a interlocutora destrambelhada e imprevisível, pois a concentração é detida nos motivos que atraem a um perigo excitante.
Embora seja uma morte, o infortúnio que inaugura No Matarás é um gatilho para termos mais acesso à subjetividade de Dani, afinal de contas sua resposta ao luto é um indício e tanto de dificuldade emocional. Muito bem delineado por Mario Casas, o rapaz esconde a beleza por trás de um jeito introvertido, sente desconforto ao receber condolências, aparentemente de modo instintivo prefere continuar trabalhando a retirar-se para recuperar-se do baque. A interação com a irmã tem a função de evidenciar que ela serve como um porto seguro, diante de quem tem suas “defesas” relativamente baixadas. O passamento do pai impõe uma enorme mudança na sua rotina. O empenho ao zelar por outrem provavelmente terá de ser revertido em autocuidado, o que deixa o enlutado desorientado e desconfortável. Essa profusão de detalhes serve para não nos depararmos com alguém respondendo exclusivamente às contingências da casualidade que acaba em tragédia com base nos ditames das circunstâncias. O drama de Dani é não saber lidar com aquilo tudo.
É notável atenção às minúcias, ao contorno e à densidade do caráter do protagonista de No Matarás. A bondade dele permite a aproximação de Mila (Milena Smit), estranha a quem socorre sem pedir nada em troca. No entanto, a passividade do protagonista também é determinante, sobretudo quando a jovem intempestiva vai consecutivamente vencendo resistências com convites entre a sedução e a imposição. Prestes a fazer uma viagem ao redor do mundo, algo simbólico para alguém que teve seu entorno viciado implodido recentemente – mudar de ares voluntariamente para reduzir os danos da transição forçada –, ele se vê simultaneamente encantado e apreensivo diante da desconhecida. Dentro da mencionada relevância de aproximar o espectador do protagonista como uma operação vital ao longa-metragem, David Victori investe na constatação da ambivalência de Dani frente a Mila, construindo situações em que somos levados a temer pela segurança dele, mas logo depois mostrando que aquilo pode lhe tirar de certa letargia, ou seja, despertá-lo.
Especialmente após a interação marcada por uma alta voltagem erótica – numa combinação muito eficiente de fotografia, decupagem, montagem e atuação –, No Matarás impõe a Dani uma exacerbação cruel do ter de lidar com a novidade. O crime cometido em legítima defesa desestabiliza completamente esse homem que parece perder o prumo invariavelmente após cruzar uma linha (não à toa o título em inglês do longa é exatamente Cross the Line). É como se toda a construção pregressa servisse para absorvermos a intensidade do desespero interno desse sujeito transformado num assassino como consequência insólita da vitória penosa sobre suas amarras. David Victori coloca o protagonista num caminho espiralado, no qual converge inapelavelmente à catástrofe contida no centro. Ao tentar obsessivamente remediar o cenário ruindo, Dani cria novas áreas de caos que o sugam como a um buraco negro. Mais relevante do que os gestos dele nessa noite que lembra a fatídica do protagonista de Depois de Horas (1985), é o que deles deriva. Caso fosse íntimo da perversidade, Dani teria menos problemas, inclusive de consciência na madrugada de neons? Provavelmente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
MÉDIA | 7 |
Parabéns ao cineasta David Victori que conseguiu mostrar d"uma forma simples e direta realmente o que pode acontecer com qualquer um de nós,desde que,nos deixemos levar pelo encantamento e curiosidade em relação a algo diferentemente novo ou pessoas.
O cara foi sugado pelas circunstâncias.