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Crítica
Visualmente, No Portal da Eternidade é um filme suntuoso, com uma construção imagética que visa traduzir em cinema a perspectiva singular de Vincent van Gogh. O diretor Julian Schnabel recorre, em suma, aos mesmos procedimentos básicos de O Escafandro e a Borboleta (2010), realçando a subjetividade do protagonista por meio de elementos como o aspecto da imagem, o posicionamento da câmera e a montagem que ressalta o percurso fragmentário. Não, há, portanto, um encadeamento estritamente lógico dos eventos que antecedem a morte do pintor. Disso decorre a dispersão, ocasionalmente improdutiva, com acontecimentos se entrelaçando aleatoriamente e elipses dando conta de abreviar com conveniência processos intermediários, de minimizar a percepção do meio quanto ao gênio valorizado apenas depois de morto. O trunfo maior aqui é o ator principal, cuja entrega substancia o retrato bastante particular, nem sempre contundente, mas ainda assim bonito.
Embora No Portal da Eternidade seja curioso justamente pela forma com que o cineasta articula as questões sensoriais para sustentar a sua visão do mito, é Willem Dafoe quem sobressai nesse caminho solitário, com a câmera detida quase o tempo inteiro nos seus semblantes anuviados por assuntos de ordens existenciais e psicológicas. O realizador aposta totalmente na capacidade do intérprete de expressar o torvelinho de coisas que atravessam essa personalidade excepcional, diminuindo a importância efetiva dos demais envolvidos. Dessa maneira, personagens essenciais como Theo van Gogh (Rupert Friend) e Paul Gauguin (Oscar Isaac) surgem como meros coadjuvantes de atividades circunstanciais. A intenção de privilegiar a trajetória pessoal e intransferível do artista torturado por seus demônios é clara, mas acaba tornando infértil parte do entorno, bem como as relações do homem com os seus. A amizade com o célebre colega de ofício, por exemplo, passa longe de apresentar densidade.
No Portal da Eternidade é um filme lento, que mergulha paulatinamente na psique de Van Gogh, afeito a retratar não exatamente a natureza, mas sua leitura particular dela. O mesmo pode ser dito da forma como Julian Schnabel registra essa figura mítica, não aferrado à verossimilhança, negando obviedades como a exploração frontal de momentos capitais da carreira e a famigerada extirpação da orelha – embora encare o ato verbalmente, dando tintas particulares ao ato cometido em meio a um desvario. Incorrendo em deambulações repetitivas, em contemplações extensas de paisagens e das subsequentes reproduções nas telas, o longa-metragem é cansativo, flertando com o vazio em episódios pontuais por conta da inclinação pela abstração de tudo o que foge à intimidade do protagonista. No citado O Escafandro e a Borboleta fazia sentido essa personalização com suporte na imagem e na montagem – já que falava sobre uma mente fervilhante presa num corpo paralisado – mas aqui a estrutura narrativa está a serviço da estética, da busca por beleza.
O Van Gogh de Willem Dafoe é um sujeito frágil, à mercê dos desígnios de sua verve artística, a fim de melhor se comunicar com o mundo. O que Julian Schnabel faz é uma abordagem romantizada e poética, versão na qual é preterida boa parcela dos fatos. O tempo de internação do sanatório, cerca de 80 dias em que o pintor criou 75 trabalhos, dentre eles alguns de seus mais famosos, é encerado de soslaio, prejudicado pela necessidade de revestir tudo de uma aura lírica e lacônica. Evidentemente, No Portal da Eternidade é um filme bonito, não somente de se ver, mas de ouvir e eventualmente de sentir. Todavia, o itinerário escolhido gera inconsistência, inclusive simbólica, em muitos instantes. O cineasta deliberadamente dá rápidas pinceladas sobre a vida de Van Gogh, claramente não almejando o quadro completo, mas a essência do holandês. Nesse sentido, é mais bem-sucedido ao estudar as texturas e as cores das pinturas que necessariamente ao situar Van Gogh como gênio da raça.
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