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Crítica


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Sinopse

Sabine trabalhava no Líbano como empregada doméstica em condições de escravidão, isso depois de uma vida pobre em Camarões. Por isso, decide migrar para a Bélgica, onde consegue um emprego de gerente de salão de beleza. Lá, ela e outros cabeleireiros clandestinos do país trabalham de 13 a 14 horas, todos os dias.

Crítica

No decurso de No Salão Jolie fica ainda mais clara a potência do primeiro plano desse longa-metragem de Rosine Mfetgo Mbakam, artista camaronesa radicada na Bélgica, assim como a protagonista, Sabine. Fora do salão de beleza que serve de cenário único ao documentário não há segurança, a lente é coberta por quem não deseja ser filmado e a realizadora, inclusive como migrante, está bastante exposta. O testemunho de batidas policiais que visam flagrar residentes ilegais no país, sobretudo africanos, amplia a força dessa tomada inicial, principalmente por demonstrar o estado de insegurança e terror que os expatriados vivem numa Europa que nem sempre os recebe de braços abertos. A cabeleireira é uma mulher de fibra, de força sublinhada constantemente pela compatriota com quem estabelece um vínculo afetivo, constatação responsável por quebrar determinados protocolo de distanciamento entre a cineasta e a personagem. Sabine se refere a Rosine, e por conseguinte ao dispositivo que ela carrega em mãos, como uma amiga próxima e confidente.

A diretora preserva esse clima de intimidade, transportando-o ao itinerário imagético do filme, não apagando eventuais incorreções técnicas, pelo contrário, mantendo o imediatismo das mudanças de foco, das recolocações espaciais nos cerca de oito metros quadrados. Geralmente se expressando durante a feitura de tranças nas clientes, a camaronesa fala despojadamente de questões espinhosas, inclusive as circunstâncias que a obrigaram a evadir do próprio país e comer o pão que o diabo amassou nas conexões onerosas em diversos sentidos. O salão, portanto, é um forte microcosmo da crise humana instaurada pela intensa imigração de países caracterizados por pobreza e/ou conflitos armados. Além de Sabine, colegas e amigas apontam particularidades da turbulência em meio a conversas triviais, fundamentadas em relacionamentos amorosos e afins. Dessa forma, é ressaltada a cotidianidade do assunto concernente à tensão geopolítica.

Há passagens bem-humoradas, sobretudo pela forma como Sabine as encara, mas de resquícios amargos, como a curiosidade dos turistas brancos. Eles olham para dentro do salão como se deflagrassem algo pitoresco. A cabeleireira brinca, falando que os lotados além da vitrine são como visitantes de um zoológico. Em outro instante, pede a Rosine que aponte a câmera aos abelhudos para eles, inibidos, pararem de olhar. Ela entende a ferramenta como uma presença intimidadora, capaz, inclusive, de permanecer impávida, fitando corajosamente o exterior, mesmo diante das súplicas da protagonista para evitar os policiais. No Salão Jolie é um filme de crueza narrativa sintomática, pois condizente com a forma despojada de abordar uma série de temas complexos, seja direta ou indiretamente, lançando luz sobre eles com a intenção de compreender as suas complexidades, não se furtando de configurar-se como partícipe dessa dialética sem rodeios.

Questões praticamente incontornáveis quando o assunto principal é a imigração africana à Europa, tais como a ligação residual com o país natal, via os familiares que perduram no continente de origem, são acessadas, ainda que rapidamente. Sabine fala do dinheiro enviado ao irmão mais novo, debate com ele acerca da sua situação de postulante ao registro de exilada política, algo que persegue há cerca de sete anos, não sem deixar para trás indícios do cotidiano distante dos contos de fadas na Bélgica. Mantendo-se empenhada, evitando evadir os limites do salão de beleza, fiel ao propósito de, num processo metonímico, observar Sabine para deflagrar uma conjuntura ampla, Rosine fomenta sua proximidade com a realidade, fazendo-se, portanto, personagem ativa. No Salão Jolie intenta retratar uma das tantas histórias de gente que se desconecta à força das raízes em busca de uma vida mais digna em locais não necessariamente amigáveis aos seus anseios.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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