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Sinopse

Uma tímida estudante de música começa a ofuscar sua extrovertida irmã gêmea. Isso acontece após a descoberta do diário secreto de uma colega de classe que morreu recentemente.

Crítica

O mundo dos musicistas (dos artistas, em geral) é um prato cheio para tramas recheadas de intrigas, disputas desmesuradas e atitudes que extrapolam o razoável em função do sonhado lugar ao sol. Em Noturno há ainda a dinâmica dos gêmeos, muito utilizada pelo cinema para apresentar histórias atravessadas por rivalidades singulares. Mas, para começo de conversa, qual a necessidade de colocar Juliet (Sydney Sweeney) e Vivian (Madison Iseman) como irmãs gestadas simultaneamente, mas não idênticas? A lógica gemelar, sobretudo se aplicada ao horror, oferece a possibilidade de aludir aos duplos, ao Doppelgänger, quiçá a espelhamentos invertidos/distorcidos de personalidades. Portanto, as meninas do longa dirigido por Zu Quirke poderiam perfeitamente ser, respectivamente, caçula e primogênita, sem qualquer alteração no que se vê no filme. Isso, pois o principal pilar da trama é justamente a batida conjuntura de alguém sendo eclipsado por outrem ao ponto de tomar atitudes que excedem o bom senso. Se preciso, pactos sinistros serão estabelecidos.

Juliet é a dedicada ao piano, a que compensa a falta da centelha de grandeza com esforço, este frustrado pela excepcionalidade natural da irmã. A extrovertida Vivian é investida pelo talento nato da capacidade de curtir a vida e ainda sobressair. Já assistimos a esse filme diversas vezes. Não demora muito para que percebamos a inveja crescendo como motivador da agressividade latente. Nesse cenário, a jovem que se entende em desvantagem encontra o caderno de exercícios de uma virtuose que cometeu suicídio há pouco. Instrumentos do inominável, as páginas exercem influência sobre a invejosa, incentivando atitudes ética e moralmente reprováveis, fazendo a protagonista passar por cima de tudo se isso a colocar no rumo do sucesso. Noturno poderia rigorosamente se valer desse percurso conhecido para impulsionar um enorme turbilhão dramático, mas vira refém da noção ingênua de que bastam episódios, ou a brutal ruptura de convenções basilares, para criar uma atmosfera de tensão. A produção segue exatamente o que dela se espera, num trajeto morno.

Noturno é bem mais focado na demarcação banal das etapas da danação de Juliet, nessa ordem de penhora. A intimidade entre ela e Vivian é trabalhada no limite do burocrático por Zu Quirke. É difícil acreditar que as duas já foram próximas, quanto mais identificar que tal relação começou antes do nascimento consecutivo de ambas. Os personagens periféricos não são menos postiços, vide os pais extravagantes, figuras deslocadas que surgem apenas para “cumprir tabela”, como se mencionam no jargão futebolístico as formalidades. Na fase de apresentação, eles cumprem a função de, na cena em que estão rodeados de amigos, contar um pouco como a protagonista era na infância e evocar as diferenças entre as gêmeas. Na parte intermediária, servem tão e somente como testemunhas de uma possível ruptura definitiva entre as filhas – com direito a um mini-debate forçado sobre a resistência da música clássica ao tempo. E, próximo ao encerramento, são convertidos em meros espectadores privilegiados do que pode ser a realidade ou um efêmero vislumbre de sucesso.

Desde Fausto, de Goethe, são frequentes as histórias de gente disposta a hipotecar valores preciosos a fim de alcançar um êxito considerável, para isso contratando uma entidade maligna. O capeta obviamente vai cobrar um alto preço para realizar esses desejos. Porém, não é exatamente pela falta de originalidade do enredo que Noturno surge como mais do mesmo. O gosto de comida requentada é fruto da obediência cega do cineasta (também autor do roteiro) aos estágios demasiadamente repetidos em utilizações pregressas. Não há um desvio sequer, tudo segue a lógica desgasta pelo excesso, o que traz, além de previsibilidade, uma sensação de “por que assistir novamente a isso?”. O realizador busca sustentar-se nas convenções para pleitear espaço no lotado filão dos filmes de pactuantes com o capiroto. Entretanto, assim como a Juliet não basta ser ótima para atrair os holofotes, a ele não é suficiente cumprir tratados com os lugares-comuns e esperar que disso automaticamente saia grande coisa. É preciso mais que vontade para ser eloquente ou perto de relevante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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