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Sinopse

Deus confia a Noé a missão de construir uma arca para abrigar um casal de cada espécie existente na natureza, a fim de salvá-los do dilúvio divino mandado implacavelmente dizimar a humanidade tomada de perversidade.

Crítica

Quando Hollywood decide investir em adaptações bíblicas geralmente o resultado é uma obra em que dois pontos predominam: a qualidade e a polêmica. Exemplos não faltam. Enquanto os religiosos criticam, a imprensa aplaude – ou, ao menos, enxerga algo de qualidade. Noé ilustra perfeitamente essa curiosidade. Melhor, uma parte dela. Causará algumas polêmicas devido as escolhas feitas na adaptação da trama. Porém, no quesito qualidade, não estará à altura dos seus antecessores.

A história você já conhece: por causa do pecado que se alastrou pelo mundo, o Deus Criador decide passar uma borracha em tudo e começar de novo. Para isso usará a água como elemento purificador. O dilúvio que acabará com toda a espécie de vida. Os únicos poupados devem ser os animais – que nada têm a ver com a maldade que mancha a terra – através de uma gigantesca arca que resistiria ao poder das muitas águas. Mas para dar cabo à missão um homem é necessário; no caso, Noé (Russell Crowe), o único que se encontra íntegro e temente aos preceitos do Deus de seus antepassados. Nesse ponto, o roteiro opta por adotar uma perspectiva ainda mais profunda do que a simples eleição devida a fé e as boas obras, mas sim pelo fato dele descender de Set, o filho que era imagem e semelhança de Adão, o primeiro homem. Esse é o princípio que conduzirá a trama paralela à história do dilúvio e culminará no clímax do filme.

A direção de Darren Aronofsky é crucial para a obra assumir a proporção épica que se espera de uma produção dessas. Todo o primor técnico, visual e poético do diretor estão lá. As sequências nas quais vemos a ação divina interagindo com a natureza caída e quase morta do planeta são belas e imersivas. As vezes em que Deus fala com Noé, como ele reage a isso – uma pintura belíssima na qual o primeiro e o segundo plano se distanciam de uma forma espetacular fazendo que por si só o ingresso 3D valha à pena – e o momento em que ele reconta a história da criação para seus filhos são os momentos mais lindos das quase duas horas e meia de duração que o filme possui. Os animais não têm muito espaço, o que não permite uma avaliação técnica mais apurada. Mas isso é compensado nas cenas da inundação. Tanto pelo CGI quanto pelo som, a sensação de caos e desespero tomam conta do espectador.

Mas a grande questão está nos acréscimos apontados por Aronofsky e Ari Handel no roteiro. Há muita diferença entre o relato bíblico e que vemos na tela? Sim, mas nada que subverta a história original. O que todos conhecem está lá. O que os dois roteiristas fazem é pegar aquele material e expandi-lo ao ponto em que a leitura deles pudesse ser compartilhada. Nisso há acertos e erros. E não me refiro à interpretações religiosas, mas sim como isso ajuda ou não com o desenrolar da narrativa. Há um duelo estre os descendentes de Set – Noé e sua família – e os descendentes de Caim – o primeiro assassino, antepassado do "vilão" do filme, vivido por Ray Winstone – o que será fundamental para a interpretação de como o Bem e o Mal sobreviveram até então e, principalmente, como esse Mal resistiu a "limpeza" proporcionada por Deus. Porém, todas essas peças são montadas indiretamente – e diretamente, se você prestar atenção em um discurso proferido por Matusalém, o sempre excelente Anthony Hopkins – para nos ensinar sobre a responsabilidade das nossas escolhas. Isso é ruim? Claro que não. Mas ao invés de fazer isso como um conceito moral e virtuoso, acaba se tornando mais uma mensagem ecológica. O que era para ser um filme sobre a relação de Deus com o homem, serve mais para defender ideias veganistas.

O elenco segura o filme. Ao menos a maior parte dele. Russell Crowe, como Noé, e Jennifer Connelly, como sua esposa, são o que de melhor é apresentado em matéria de atuação. Crowe consegue desenvolver convincentemente todas as características do patriarca; seu amor e temor ao Criador, seus medos e anseios, assim como sua total devoção à missão que lhe foi dada. Ray Winstone, como o rei dos homens, também não desaponta ao apresentar a perfeita ilustração daquele que já não tem mais olhos para Deus e confia apenas em si próprio. O elenco coadjuvante, se não fosse por Douglas Booth, que vive Sem, o primogênito de Noé, também estaria perfeito. Logan Lerman, como Cam, consegue traduzir assertivamente as complexidades que o levam a se transformar no símbolo da maldade no novo mundo. E Emma Watson, além de deixar o filme ainda mais belo, na ausência de Booth, assume o papel de "milagre vivo", para no final inspirar e ensinar Noé.

Vai escandalizar alguns religiosos? Provavelmente. O que não é muito difícil, convenhamos. Mas, no final, Noé consegue traduzir com certa qualidade o que essa história significa. Deixa a desejar, é verdade. Mas nada que impeça um momento de entretenimento ou uma análise edificante. Uma coisa, no entanto, é importante frisar: infelizmente não é o melhor filme de Aronofsky. Nem o segundo. Mas como foi com Noé, que sirva para o diretor: o dilúvio limpou o caminho; agora é recomeçar.

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Eduardo Dorneles é estudante de letras, amante de cinema, literatura, HQs e mantém um blog de crônicas e contos (edorneles.blogspot.com) .
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