Crítica
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Sinopse
Às vésperas do Natal, uma equipe de mercenários invada um complexo familiar. No entanto, essa equipe de marginais não estava preparada para enfrentar um combatente inusitado: o próprio Papai Noel em pessoa.
Crítica
Em certo momento, logo no começo do filme, os recém-separados Linda (Alexis Louder, de A Guerra do Amanhã, 2021) e Jason Lightstone (Alex Hessell, de A Tragédia de Macbeth, 2021) se encontram para passar mais um natal juntos, dessa vez em nome da filha do casal, Trudy (Leah Brady, vista em um episódio de The Umbrella Academy, 2022). Assim que o pai entra no carro, a menina coloca as duas mãos ao redor do rosto e solta um grito estridente, imitando o mesmo gesto que Macaulay Culkin eternizou três décadas atrás. “Ela ficou até tarde assistindo ao filme Esqueceram de Mim”, se justifica a mãe. Pois essa é também a deixa para o que vem a seguir em Noite Infeliz, que nada mais é do que uma releitura um pouco (bem pouco, aliás) mais adulta e tarantinesca dessa novo clássico infantil natalino. A pegada violenta desperta uma curiosidade imediata, e ainda que o diretor revele receio para abraçar essa abordagem – leva-se mais da metade da trama para a pancadaria começar de vez, e, mesmo assim, trata-se de um viés um tanto tímido, no ritmo “um passo adiante, dois para trás” – há também um melodrama intrínseco à proposta, o que inevitavelmente acaba desagradando aqueles atrás de menos amarras e mais rebeldia.
Antes ainda da cena descrita inicialmente, em uma espécie de prólogo, Papai Noel (David Harbour, que segue fazendo render o sucesso conquistado com sua participação em Stranger Things, 2016-2022) está sentado em um bar afogando suas mágoas no fundo de um copo de cerveja. Obviamente, ninguém ao seu redor acredita ser quem ele diz em pessoa, nem a dona do pub, muito menos o senhor vestido com os mesmos trajes vermelho e branco que acabou de chegar do seu turno no shopping mais próximo para dar aquela relaxada no final do dia. Mas Noel tem seus motivos para reclamar: a falta de consideração da humanidade, o estado de zumbificação em torno das redes sociais e aparelhos eletrônicos, o símbolo de consumismo desenfreado que se tornou essa data de final de ano e, principalmente, o fato de ninguém mais acreditar nele. Não no que diz, mas na sua simples existência. Tommy Wirkola já tinha tentado inverter as expectativas da audiência em relação a personagens tradicionais em sua estreia em Hollywood com João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), sem que o resultado alcançado fosse o esperado. Dessa vez, no entanto, busca se aproximar mais do trabalho que desenvolveu em sua Noruega de origem, como o terrir Zumbis na Neve (2009). O esforço é visível, ainda que nem sempre recompensado.
Em resumo, Papai Noel está cansado do que tem feito pelos últimos séculos, e acredita ter chegado a hora de parar. Não, é claro, sem terminar sua jornada por, talvez, uma última noite. Ao mesmo tempo, na mansão dos Lightstone, uma família marcada pela competição, intrigas e disputas se reúne com uma única esperança: não receber o maior pacote debaixo da árvore, mas descobrir qual dos dois irmãos – Jason ou Alva (Edi Patterson, de Entre Facas e Segredos, 2019) – assumirá o comando da empresa que hoje está sob responsabilidade da irascível Gertrude (a veterana Beverly D’Angelo, retornando com nítido prazer em uma condição de glamour e estrelato), mãe da dupla e exemplo de mulher que sempre colocou os negócios à frente das relações familiares. Quando a casa é invadida por uma gangue liderada pelo autointitulado Scrooge (John Leguizamo, o mais deslocado do elenco), os residentes, agora sequestrados, só terão uma ajuda com a qual contar: a de ninguém menos do que do próprio Papai Noel.
E não por ele ser uma figura mágica dona de verdadeiros superpoderes, como ser praticamente imortal ou capaz de se desmaterializar para subir e descer por chaminés, mas porque, entre pessoas tão consumidas pelo ressentimento, inveja e ganância, há uma única que escapa dessa sina: a pequena Trudy, aquela que, apesar de tudo lhe apontar contra – até uma declaração intempestiva paterna – segue acreditando, do fundo do seu coração, de que Papai Noel é, sim, uma figura real. É a ele, portanto, que recorre ao se ver em perigo junto com os pais, primos, tios e avó. Empresária de muito sucesso, Gertrude nessa mesma noite esconde no cofre de casa uma fortuna destinada a esforços de guerra que ela pretende desviar, e os bandidos, de posse dessa informação, estão dispostos a tudo para colocarem suas mãos em todo esse dinheiro. Lidar com tiroteios, assassinatos em sequência e mutilações aleatórias não chega a causar espanto na audiência, afinal, a simples presença de um Papai Noel de fato é suficiente para conceder ao enredo uma chave ao fantástico. A questão maior é o que fazer com o que se tem reunido.
É nessa combinação que a mistura nem sempre chega a atingir o caldo esperado – ou necessário, para ser mais preciso. Noite Infeliz é uma grande brincadeira inconsequente, na qual nada é levado muito a sério, sejam as perdas, como os pontos de virada. Mortes serão revertidas, agressões soam quase cartunescas e se algumas passagens da aventura dirigida por John Hughes em 1990 são repetidas em detalhes – como pregos em escadas, bolas de boliche atingindo vilões e pés descalços pisando em enfeites de natal estilhaçados pelo chão – é de se indagar se estas são homenagens ou cópias proporcionadas pela falta de inspiração. O certo, porém, é que Harbour continua como um grandalhão dos novos tempos, que apanha bastante, mas sabe revidar no momento certo. É essa fragilidade, aliada a uma força bruta prestes a entrar em erupção, que faz dele não apenas o melhor motivo para se conferir essa jornada por vezes gráfica em excesso, por outras piegas além da conta, mas também o melhor “bom velhinho” a aparecer nas telas desde a encarnação mal-humorada e desbocada de Billy Bob Thornton de Papai Noel às Avessas (2003). O que, convenhamos, não é pouca coisa.
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