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Sinopse

Certo dia, um dos maiores produtores de cinema na Itália é encontrado morto dentro de um rio. Os principais suspeitos são três jovens roteiristas que tiveram contato com ele recentemente. Durante uma noite, são levados à delegacia para serem interrogados. Esta será a oportunidade de relembrarem seus percursos, que coincidem com o declínio da Era de Ouro das produções italianas.

Crítica

Muito já se falou sobre as traduções – ou, melhor dizendo, adaptações – que as distribuidoras brasileiras acabam oferecendo aos mais diversos longas estrangeiros quando estes são lançados no mercado brasileiro. Se não chegamos a ser dignos de piadas como nossos irmãos portugueses, tal diferenciação se dá por mero detalhe – há casos bem esdrúxulos, como o recente The Art of Racing in the Rain, ou A Arte de Correr na Chuva, que por aqui foi batizado como... Meu Amigo Enzo! Mas às vezes não precisa ser nada tão escandaloso para já alterar o sentido original proposto. Como é o caso desse Noite Mágica, cujo título em italiano – seu país de origem – é Notti Magiche, ou seja, Noites Mágicas, na transposição literal. A retirada do plural também lhe rouba muito do seu sentido. Não só pela trama se passar no curso de quase um mês, mas também pelo intuito de abstração sugerida: o que se vê em cena é a construção de uma bela fantasia no decorrer destes dias e noites, e não um episódio isolado restrito a apenas um incidente.

Noite de três de julho de 1990. Semifinais da Copa do Mundo. Apesar da Itália sair ganhando, a Argentina consegue o empate no segundo tempo. Quando Aldo Serena e Roberto Donadoni erram seus pênaltis, o futuro da seleção azurra fica nos pés de Diego Maradona, que se mostra implacável: é gol! A Itália está eliminada, enquanto que a Argentina segue para a final (apenas para perder, depois, para a Alemanha Ocidental, mas isso já são outros quinhentos). No meio do caos e da tristeza que se espalha por todo o país, em Roma um carro colide contra a murada e cai do alto da ponte, no meio do rio Tibre. Ninguém parece perceber o acidente – a comoção pela derrota ainda soa forte – mas aos poucos alguns se alarmam diante da situação inusitada. A polícia é chamada, e uma equipe de resgate é providenciada. De dentro do automóvel, apenas um corpo é retirado, já sem vida: o do produtor Leandro Saponaro (Giancarlo Giannini).

As investigações começam, e três jovens são apontados como possíveis culpados: Antonino (Mauro Lamantia), Luciano (Giovanni Toscano) e Eugenia (Irene Vetere). É curiosa a opção do diretor Paolo Virzì em colocar três novatos – os rapazes são estreantes na tela grande, enquanto que a moça está em seu primeiro trabalho de maior destaque – ao lado de um veterano como Giannini. Pois é exatamente isso que acontece: assim que os suspeitos são reunidos na delegacia, começam a contar suas versões dos fatos. A trama volta no tempo em algumas semanas, acompanhando a chegada dos garotos, vindos do interior, e o encontro deles com a representante da capital. O trio é finalista em um concurso de roteiros. São os melhores do país, e são recebidos pela nata do mercado cinematográfico italiano. Cada um acaba por se envolver de uma forma com o meio – ela pensa ter engravidado de um galã abusado, o certinho vê suas possibilidades se reduzirem a uma minissérie de televisão, e o malandro termina por se revelar aquele com menos medo do trabalho duro e, justamente por isso, com maiores possibilidades de dar certo.

Por mais que volte e meia essa estrutura se perca – é preciso relembrar, de tempos em tempos, do momento presente, deles diante de um oficial e sendo interrogados por um crime – Noite Mágica ganha, de fato, o espectador já iniciado neste universo. De citações visuais, como uma visita ao set de filmagens do ‘maestro’ (com as silhuetas de Fellini e Benigni sendo identificadas ao longe), ou outras mais concretas, como o astro que chora pela amante que o rejeita (Mastroianni e Deneuve chegam a ser nominados em cena), a trajetória que Virzì desenha é um deleite aos olhos e aos sentidos de qualquer apaixonado por esta que é uma das cinematografias mais efusivas e intensas do planeta. Os personagens, por outro lado, são quase uma desculpa, não indo em mais de um ou outro momento além do clichê: o virgem, o conquistador, a sonhadora, o ambicioso, o golpista, o vingativo, etc.

Por outro lado, tais combinações fazem do filme um quebra-cabeça engenhoso, que dispõe de suas peças com até certa habilidade. Se o lado detetivesco perde logo sua força – basta, para tanto, que seu desfecho se dê em uma reviravolta um tanto forçada, servindo mais para oferecer um final do que para ligar todas as peças – Noite Mágica se resolve como um testemunho de uma época perdida, quando o cinema ainda era uma manifestação meramente artística, ainda longe do viés mercantilista tão disseminado nos dias de hoje. É um filme, portanto, com mais de uma esfera de leitura, que talvez não pareça propriamente inovador em sua superfície, mas que ganha, e muito, pelo caráter nostálgico e memorialista que não apenas celebra, mas abraça sem ressalvas. Um instante perdido no tempo e espaço, que talvez nem encontre mais sentido neste século, mas que ainda guarda com carinho seus exageros, erros e acertos, mais como uma lembrança enternecida e menos como um resgate forçado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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