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Crítica


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Sinopse

Mesmo crente em milagres, Cabíria é roubada e quase morta pelo namorado. Depois de cuidada, ela clama por uma intervenção divina e acaba conhecendo um homem que certa vez se apaixonou ao vê-la dançar.  

Crítica

Apresentada primeiramente como coadjuvante em Abismo de Um Sonho (1952), a personagem da prostituta Cabíria foi elevada à condição de protagonista neste novo trabalho de Fellini, sendo novamente interpretada por Giulietta Masina, esposa e musa inspiradora do cineasta. Trabalhando nas noites de Roma, Cabíria enfrenta dificuldades para sobreviver em uma Itália ainda em reconstrução após o final da Segunda Guerra Mundial. Mesmo em meio a este cenário de adversidades, a personagem mantém uma postura otimista, orgulhando-se de suas custosas conquistas, como a humilde casa própria em que vive, e sonhando com um futuro melhor ao lado de uma grande e verdadeira paixão.

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Desde o início, porém, Fellini deixa claro que Cabíria é uma mulher fadada à desilusão. Logo na primeira cena, a simpática garota quase morre afogada quando seu atual namorado a joga em um rio para roubar-lhe a bolsa contendo suas economias. Mesmo após o incidente, Cabíria custa a aceitar que o ato tenha sido intencional, duvidando que alguém por quem estava apaixonada a mataria por tão pouco dinheiro. Esta ingenuidade se mostra umas das principais características da personagem, e talvez a mais necessária para que Cabíria possa encarar um mundo repleto de decepções e para que Fellini crie a figura tragicômica que necessita para protagonizar sua história, embalada pela marcante trilha sonora de Nino Rota.

Com sua estatura diminuta, modo desajeitado de andar e gestual exagerado, Masina empresta a Cabíria qualidades quase chaplinianas, que vão ao encontro da imagem do palhaço e da atmosfera circense presente na obra de Fellini. Utilizando uma narrativa episódica, o cineasta constrói a trajetória de anseios e desencantos constantes de Cabíria, dividida com boa parte da população italiana da época. É sobre o cotidiano dos marginalizados e dos excluídos que Fellini trata no longa, e por isso a colaboração de Pier Paolo Pasolini no roteiro, escrevendo parte dos diálogos, se mostra fundamental, especialmente para criar a dinâmica entre Cabíria e os personagens que a acompanham à noite pelas ruas dos bairros pobres de Roma (a vizinha, a prostituta decadente, o aleijado, etc.), e que servem como esboço para o trabalho posterior de Pasolini na direção, como em Mamma Roma (1962), por exemplo.

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É pelo panorama desolador em que se encontram, que estes personagens se agarram a qualquer símbolo que represente uma ponta de esperança, como na emblemática sequência da procissão de Nossa Senhora. Cabíria e seus companheiros aguardam um milagre, ainda que essa possibilidade se esgote tão rápido quanto a garrafa de vinho que dividem após visitarem a igreja. O sonho de uma vida melhor surge apenas em vislumbres, quando Cabíria visita a mansão de um famoso ator que a trata com carinho, por exemplo. Em contrapartida, Fellini também mostra que a situação de Cabíria poderia ser ainda pior, como na cena em que acompanha um misterioso bom samaritano que distribui comida e cobertores para pessoas que vivem em grutas próximas à estrada. Um momento de reflexão para a personagem, que se despe da persona que utiliza no trabalho e pela primeira vez revela seu verdadeiro nome.

Se a realidade parece não oferecer opções a Cabíria, Fellini oferece a fantasia como saída, novamente fazendo referência ao universo do circo. Ao entrar em um teatro para assistir a um espetáculo de ilusionismo, Cabíria é hipnotizada por um mágico, que faz com que ela regrida mentalmente à pureza de seus 18 anos, quando ainda com cabelos longos e negros já fantasiava sobre encontrar um grande amor. Um momento belo e tocante, de rara sensibilidade, em que Giuletta Masina mostra porque levou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes pelo papel. Após o número de hipnose, Cabíria, ridicularizada pela plateia, se encontra fragilizada e é abordada por um homem gentil e galanteador, com quem inicia um novo relacionamento.

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A partir deste momento, Fellini coloca o espectador lado a lado com a pobre prostituta, compartilhando sua esperança de finalmente alcançar a felicidade. E se a sina da personagem parece incontornável desde o início, o cineasta faz questão de encerrá-la com a mesma dose de tragédia e comédia. A dança e a música, sempre presentes no longa, guiam o caminho final de Cabíria, que com seu encantador sorriso e maquiagem borrada formando o desenho de uma lágrima no canto do olho, assume ao mesmo tempo o papel de arlequim e de pierrô. A alegria e a tristeza, que sintetizam a obra de Fellini, representadas em uma imagem magnífica e inesquecível.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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