Crítica
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Sinopse
Georges Balbuzard é o prefeito da pequena cidade de Mêle sur Sarthe, na Normandia, onde os agricultores vêm sofrendo cada vez mais por conta de uma crise econômica. Quando o fotógrafo Blake Newman, conhecido por deixar multidões nuas em suas obras, está passando pela região, Balbuzard enxerga nisso uma oportunidade perfeita para salvar seu povo. Só falta convencer os cidadãos a tirarem a roupa.
Crítica
Há um filme muito bom em algum lugar de Normandia Nua. Pena que só seja possível vislumbrá-lo por momentos, e, mesmo assim, não na maior parte do tempo. Isso porque o diretor e roteirista Philippe Le Guay (do ótimo As Mulheres do Sexto Andar, 2010, e dos irregulares Pedalando com Molière, 2013, e A Viagem de Meu Pai, 2015) parece não ter acreditado suficiente no inusitado da trama que tinha em mãos, tratando de recheá-la de elementos paralelos como se eles fossem lhe dar mais consistência quando o que acontece, de fato, é gerar um maior número de distrações. Enfim, o feitiço saiu contra o feiticeiro. E se no argumento tudo soa por demais curioso, não é preciso avançar muito no desenrolar da história para que fique clara a falta de foco do realizador. O que lhe falta, portanto, foi confiança. Justamente aquilo que seus personagens tanto buscam.
Newman (o inglês Toby Jones, em uma rara aparição em um longa francês) é um importante fotógrafo, famoso no mundo todo por tirar fotos de multidões reunidas. Com um pequeno detalhe: os modelos que aparecem em suas imagens estão sempre desprovidos de qualquer vestimenta. Após muito circular pelo interior da França em busca de uma paisagem perfeita para a sua próxima composição, ele, enfim, a encontra em um bucólico campo da Normandia. A questão é que, além do terreno ser disputado por dois vizinhos, também há a resistência dos moradores locais, que não aceitam de bom grado a ideia de tirarem suas roupas a pedido de um estrangeiro. Porém, apesar de uma negativa inicial, quem passa a ver a oferta como uma boa oportunidade de divulgação da região é o prefeito Balbuzard (François Cluzet, sempre ótimo). O problema será ele convencer os demais.
Há diversas narrativas correndo em paralelo em Normandia Nua. A nudez e a fotografia a ser tirada é a mais óbvia, e ela remete o espectador diretamente ao britânico Garotas do Calendário (2003), que há pouco mais de uma década se fez bem popular justamente por combinar estes dois elementos. Esse argumento, no entanto, aqui surge apenas como um impulso inicial. No fundo, a discussão é mais séria, e fala de uma questão sócio-político-econômica, levantando temas como o esvaziamento dos campos, a desestruturação da agricultura familiar e a quebra dos produtores nacionais em detrimento da concorrência estrangeira. É um assunto urgente, que está na pauta das principais nações da Europa ocidental – e na França, em particular. Fazendeiros endividados, débitos se acumulando, pequenos comerciantes fechando as portas e o governo pouco fazendo de efetivo. Uma paralisação nas estradas lembra a greve dos caminhoneiros que parou o Brasil no meio de 2018. Porém, se é para chamar a atenção, talvez algo inusitado provoque um resultado mais efetivo – e é justamente aqui que a exposição midiática proporcionada pela foto coletiva ganha força.
Mas há mais. O roteiro de Le Guay, escrito em parceria com Victoria Bedos (A Família Bélier, 2014) e Olivier Dazat (Asterix nos Jogos Olímpicos, 2008), por exemplo, usa a jovem Chloé (Pili Groyne, de Dois Dias, Uma Noite, 2014) como narradora, mesmo que o envolvimento dela com o que está se passando pela cidade seja mínimo. A participação dela se resume a uma piada um tanto sem graça: o pai, Thierry (François-Xavier Demaison, de De Carona Para o Amor, 2018), é um publicitário que fez a família trocar a vida em Paris por uma morada numa pequena cidade em busca de paz e tranquilidade. No entanto, por mais que ele passe o tempo todo exaltando esse novo estilo de vida, seu próprio corpo reage de modo contrário, com comichões, resfriados e olheiras, deixando claro que uma adaptação como essa não é algo possível da noite para o dia. Há ainda o jovem Vincent (Arthur Dupont, que transita um tanto sem rumo, como se estivesse em um filme à parte do resto do elenco), que volta para casa após um tempo morando na capital para fechar o antigo negócio do já falecido pai – não por acaso, uma loja de fotografias. E tem ainda o drama do açougueiro que não quer que a mulher fique nua, o pichador anônimo que diz verdades nas vitrines, a garota que seduz o recém-chegado apenas para depois reclamar quando ele decide tomar uma atitude, e outros pormenores que até renderiam boas histórias isoladamente, mas aqui, em grupo, soam mais como uma colcha de retalhos que nunca chega a encontrar, de fato, o fio da meada.
Na primeira cena do filme, ainda antes do crédito de abertura, um homem acorda, após dormir em uma cabana no meio de um campo aparentemente vazio, apenas para se dar conta, enquanto fazia suas necessidades matinais, que está cercado por diversos nudistas, que o observavam com curiosidade. A sequência provoca impacto. No entanto, nunca chega a ser recuperada em Normandia Nua. Essa, em resumo, é a proposta do filme de Le Guay: provocar, sem nunca ir às vias de fato. O debate financeiro e a repercussão do que se discute no interior parece não conseguir ir além daqueles limites, o que termina por torná-lo redundante, ainda que seja de interesse nacional – e, por que não dizer, até mesmo mundial. Mas estamos na Normandia, no norte francês, uma região que já foi palco de grandes acontecimentos, mas que hoje se encontra um tanto abandonada. Mais ou menos como essa obra, repleta de boas ideias, mas um tanto desconectadas umas das outras.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 5 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 5 |
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