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Sinopse

​Por décadas, Nina e Madeleine esconderam seu amor. Aparentemente, são apenas vizinhas. No âmbito privado, dividem uma rotina de carinho até que um acontecimento inesperado fecha o portal que as une. Na nova realidade, o segredo não pode mais ser guardado, se elas quiserem continuar juntas – e esse amor é posto à prova.

Crítica

Prestes a deixar um jogo de aparências para traz, a reconstruir suas vidas noutro país, onde poderão, finalmente, assumir publicamente um amor cultivado ao longo dos anos no âmbito privado, a francesa Mado (Martine Chevallier) e a alemã Nina (Barbara Sukowa) se veem golpeadas pelo imponderável. Ainda que haja uma pequena crise antes, com a primeira das amantes demonstrando dificuldades para contar aos filhos os planos de emancipação das dissimulações, o verdadeiro entrave para a felicidade viável em território italiano é o acidente vascular cerebral sofrido pela mãe de família. As sequelas físicas impedem a autonomia dessa mulher que permanece com o olhar perdido, além de privada da fala. A outra entra num processo exasperante de tentar cuidar dela, de fazer-se presente na árdua fase de (possível) recuperação, algo não necessariamente fácil, pois ninguém sabe do relacionamento mantido escondido há anos. Nós Duas aponta a essa cruel negação de direitos e liberdades conjugais com base nos preconceitos vigentes, focando na dor de ambos os lados.


Mado é a figura principal no primeiro terço do filme. O diretor Filippo Meneghetti dá mais atenção para ela, centralizando hesitações quanto a contar aos filhos e ao neto que está de mudança para Roma com o genuíno amor de sua vida. Nós Duas desenha esse itinerário com traços de esquematismo, apresentando, por exemplo, a devoção desbragada do filho à memória do falecido pai justamente no jantar em que a mãe pretendia revelar sua ida à Itália e, quiçá, o comprometimento romântico com a moradora do apartamento da frente. O drama pessoal de Mado passa pelo aprisionamento ao passado camuflado de esposa devotada, algo visto na cena de alguém sinalizando sua suposta interdição para relacionamentos após a viuvez como um indício óbvio de caráter e lealdade. Essa cobrança desproporcional pesa sobremaneira nos ombros da francesa, sendo, também, responsável pela sobrecarga emocional que a leva ao delicado quadro de saúde. Ensaia-se a nova interdição.

Tão logo Mado fique prostrada, na cama ou na cadeira de rodas, aparentemente alheia às coisas que acontecem, Nina assume o protagonismo com os seus estratagemas mirabolantes para driblar a vigilância da cuidadora e da filha que visita regularmente a mãe enferma. O jogo de nervos estabelecido com a enfermeira eventualmente esbarra em dinâmicas quase cômicas, estas que adquirem tintas dramáticas tão logo sejam devidamente enquadradas como esforços necessários para estar ao lado do amor num momento difícil. Pode-se objetar a forma como ela trata a subalterna, boicotando a sua rotina. O filme defende a ideia de que os fins justificam os meios, ou seja, a cônjuge alijada da presença da amada pode, inclusive, ser escroque com a trabalhadora porque suas intenções são absolutamente nobres. Existe um intermitente ruído nessa relação que adiante acarreta um arrombamento e, por ventura deste, outra camada nos já numerosos níveis de obstáculo.

Bem-vinda é a apresentação do casal homossexual feminino nessa faixa etária. Se a libido e o desejo na terceira idade são ainda observados como tabus, pouco contemplados pelo cinema, aqui eles surgem com o bônus da discussão em torno da orientação sexual do par. São triviais as respostas tão desnorteadas quanto homofóbicas da filha pega de surpresa pela verdade revelada de modo completamente banal. O filho vira uma figura obsoleta, pois praticamente some para dar lugar a esses dissensos protagonizados por mulheres. Há facilidades, como as artificiais melhoras repentinas na capacidade motora de Mado, isso sem progressão que as torne verossímeis. Entretanto, o desempenho das atrizes, sobretudo o de Barbara Sukowa, intensa na pele da mulher disposta às últimas consequências para viver livremente a sua paixão, incute no espectador aquela sensação de torcer para que o clímax afronte o clichê do casal homossexual inviabilizado pelo destino trágico.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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